Um dia, perdido na minha adolescência, disseram-me que não podia estudar mais Francês. Tive, talvez, um dos maiores desgostos da minha vida. Como não? Como parar o contacto com aquele linguajar cantante, belo, todo ressumando poesia? Como deixar de ouvir o encantamento feito palavras?
Contrariada, segui a opção que viria a marcar todo o meu gosto desmesurado pela Literatura. Dediquei-me de corpo e alma, (expressão batida, mas que serve muito bem o contexto), a ler em Inglês. Afinal, um dos meus primeiros livros, lido nessa língua universal, era de George Orwell, Nineteen Eighty-Four, marcou, sem dúvida. Ainda hoje, ressoam na minha memória os helicópteros ao serviço do Grande Irmão, tudo controlando, tudo vigiando. Mais tarde, li, devia ter os meus 16 anos, Animal Farm: A Fairy Story (traduzido como O triunfo dos Porcos!!!!!). Começava, nesses longinquos tempos, este meu amor à língua inglesa. À verdadeira, à dos grandes escritores, à da beleza também das palavras...Nem sei bem quantos livros já li em inglês, e quando falo em livros falo unicamente dessa arte feita pelos olhares tão especiais de quem diz a realidade sonhada.
Bom, abreviando, nasce também, desse contacto, a minha reverência ao texto dramático, na verdadeira acepção das palavras. Gosto especialmente do teatro do absurdo. Samuel Beckett não devia ser traduzido... o seu Waiting for Godot só faz sentido em inglês. "In the meantime let us try and converse calmly, since we are incapable of keeping silent." Era aqui que eu queria chegar...exactamente aqui. O resto do post só existe como moldura do espelho que fui.
Através dos olhos desta Encenadora, é fácil concluir que não existe grande dificuldade em amar palavras. Sou incapaz de manter o silêncio... assusta-me antecipar um momento em que, mesmo que só mentalmente, me possa esquecer de alguma. Dou-lhes vida, quando as penso, quando as escrevo, quando as verbalizo.
Os meus olhos falam, cheiram os sons articulados, tacteiam o gosto das folhas a preencher... não gosto do branco do papel.
As minhas mãos falam, nos gestos inconscientes, mecanizados no prolongar do que é dito, do que é pensado e não dito, do que é dito sem pensar.
Toda eu abomino o silêncio...o vazio do pensar.
Em Francês, em Inglês, na minha Pátria feita Língua, alimento-me de palavras.
E o título do post, Encenadora?
Saí de mim um pouco, olhei-me nos olhos, e através deles vi-me na limpidez do intervalo desta peça!
2 comentários:
E são esses linguajares cantantes que nos fazem pular. É por essas e por outras que tenho dificuldade em aceitar uma língua universal. Então, e eu? Tenho que falar a língua dos outros em detrimento da minha? Era só o que faltava!
Paola, então e esta? não é mais difícil? contudo, bela também?
Só para ti: kalinichta, filakia!
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