Ensaio sobre a saudade tamanha...



       Ontem, pelo palco escolar, os meus jovens alunos vestiram a pele de poeta e fizeram, talvez, as suas primeiras poesias. Resistiram, primeiro, suaram depois para cumprir a tarefa [palavra nada poética]. Após um breve intervalo, unicamente para a ida ao alívio das necessidades, visto que a pandemia não nos larga, voltámos ao recôndito espaço da aula.

    Por detrás de máscaras, literalmente e não metafóricas, lá foram respirando fundo, para a leitura dos versos arrumados com receio. Criaram pequenos textos que leram, que comentaram, que os levaram à gargalhada, ou à mais profunda reflexão. Afinal, o pretenso poema tinha um acréscimo importante: seria a apresentação poética de cada um. Já quase no fim da leitura, surge a expressão, [para não lhe chamar antecipadamente verso], lida com emoção, "recolho-me num grito silencioso". Foi naquele momento que o dia desabou na minha saudade. 

    Uma saudade tamanha da minha amiga, perdida, em maio, sem que eu tivesse tido tempo de interiorizar que o seu tempo acabava. Uma saudade tamanha do seu humor cáustico, da sua gargalhada sincera, dos seus conselhos, nunca pedidos, sempre oportunos... uma saudade tamanha da presença tão sua, tão Célia.

     "Um grito silencioso" escreveu o meu jovem, feliz por ter conseguido a antítese há pouco aprendida. O recurso expressivo lembrou-me que era dia de aniversário. Só não haveria bolo, nem cantorias desafinadas, não haveria presentes de papel rasgados ao jantar. Só porque tu já não estás.

 [que saudade!]