Como professora que sou, ensino os meus lindinhos, desde cedo, a utilizarem o dicionário, esse instrumento revelador de significados desconhecidos. Ora, as palavras têm o seu sentido denotativo, frio, na retirada de um contexto. Diz o meu quinto volume do Grande Dicionário da Língua Portuguesa que a "nostalgia" é um abatimento ou tristeza profunda, resultante de saudades da Pátria. Hoje, não me apetece dicionário. Quero pintar a palavra com as cores da conotação. Nostalgia é o sentimento positivo que me lembra Pedro Barroso, e a sua Menina... Nostalgia é a menina. Menina é a Mafalda!
Numa noite destas, o telemóvel tocou. Era a minha querida mãe, que, de vez em quando, se lembra que eu existo. Oportuna mãe. "Filha, estás a ver o canal 1?" Não estava. "Vão dar uma reportagem sobre a Mafaldinha." Obrigada, mãe. Muito sinceramente obrigada.
Há muito tempo que não via a Mafalda... Nostalgicamente, vieram à minha memória imagens de um passado com Mafalda... Quando, pela primeira vez, a vi, ao colo do pai, não quis acreditar. A Mafalda parecia um bebé, no tamanho, convenhamos. E assim começou uma convivência quase diária nos cinco anos que a Mafalda estudou na Escola onde lecciono, há mais de 15 anos. Lembro as suas corridas de cadeira de rodas pela imensidão dos pátios. Recordo-a animando colegas, que, sentados na rampa da porta da sala 4 (feita de propósito para a Mafalda), partilhavam com ela os arrufos das primeiras paixões. Recordo-a dançando no Baile de Gala, até às tantas da manhã. Recordo as suas escapadelas à estação para comprar pastilhas. Recordo o olhar assustado de uma colega, relatando a primeira vez que a Mafalda saltou para a secretária e lá ficou. Lembro, especialmente, o dia em que a Mafalda foi connosco em visita de estudo ao rio Sado. Andámos mais de oito horas naquele barco, procurando golfinhos. A Mafalda não desceu aos botes cor-de-laranja que perseguiam essa comunidade de mamíferos lindos... a Mafalda não foi almoçar à praia. Fiquei com ela no barco grande. Registei o momento numa fotografia que guardo religiosamente. A Mafalda comia, com um ar de felicidade imensa, a sua sandes, ao lado de um pacote de batatas fritas. O pacote, encostado na amurada do barco, era do tamanho da Mafalda!
Olhei para a televisão. Lá estava ela, sorrindo, como sempre, ensinando a todos nós a razão da sua existência. Aquela jovem, cheia de vida, comemorava os seus 25 anos com a publicação de um livro. Portadora de uma doença, dita "palavrão" para utilizar as suas palavras, Mafalda falou e encantou. Registei um ensinamento: o importante não é a embalagem! Falava do seu corpo. A embalagem que todos rapidamente esquecíamos, ao fim de meia dúzia de palavras.
No início da tarde de hoje, uma amiga emprestou-me o livro da Mafalda. Queria tê-lo comprado no fim-de-semana, mas não encontrei. Vou lê-la. Orgulhosamente lê-la, porque sim.
Nostalgia também pode ser um ressurgimento, dado por uma memória feliz. Só porque quero. Só porque a recordo sempre feliz.
Perante esta lição de vida, que é a Mafalda, quase que me apetece perguntar de que se queixam as pessoas, todos os dias? O que lamentam? Porque se ressentem da sua "embalagem"?
A resposta fica nas palavras desse magnífico poeta Pablo Neruda, que surge logo no prefácio desse livro, cheio de Mafaldisses!
"Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante..."
"Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante..."
No meu dicionário, agora, nostalgia é uma flor que sobrevive linda, na dureza de um chão de pedra!
7 comentários:
Também eu fui acordada por ti no dia que a RTP comemorava a Mafaldinha escritora.
Também eu actualizei memórias que incluem a Mafaldinha.
Também eu comprei a Mafaldinha dita mafaldisses.
Também eu concordo com Neruda.
- Que se lixe a embalagem!
Infelizmente não vi. Contudo deixe-me juntar a vós em todas as memórias e cumplicidades. Afinal também fiz parte de todas esses momentos. Terei todo a satisfação e orgulho em obter o livro.
Sábado deste-me um papel com este endereço, fiquei chateado porque não me disseste o que era. Eras tu. Nunca te tinha lido. Lembro-me de mostrares esta foto da tua aluna. Como li por aqui gostava também de ter sido teu aluno.
PJB
Tenho pena de não ter visto a nossa Mafalda pois tenho a certeza que mais uma vez deu uma lição de vida.Ela é realmente especial e é linda.
- Que se lixe a embalagem!
No meio de testes, relatórios, avaliações do 9º ano... apeteceu-me visitar-te, também porque não me prendem os riscos desde que o conteúdo, independentemente da embalagem, valha a pena e vale sempre a pena ouvir o sentir dos outros, de alguns obviamente, e deixarmos que a nostalgia nos invada; enchermo-nos do coração da vida, do palpitar do mundo e envolvermo-nos das grandes lições de vida, geralmente dadas por gente pequena,,, Que se lixe a embalagem, como disse Paola. A Mafalda gravou essa mensagem em todos e em tudo por onde passou. Que privilégio para todas as colegas a quem enxugou lágrimas ou simplesmente escutou. Certo é que nunca mais esquecerão e muito terão aprendido!
Termino. ou obrigo-me a terminar porque não sei ser sucinta, snhora professora de L.P.
Mesmo que se lixe a embalagem, gostamos sempre muito daquelas que revestem quem amamos. A tua é linda.
Beijo
Emília
Que dizer das tuas bondosas palavras, Emília? Que andas, aos anos, a ver se me vês chorar? Choro para dentro, como sabes. Até com as simples palavras da minha querida Emília.
Foi com profunda nostalgia que li o seu post e sorri muito, ainda mais. De saudades boas de todos os tempos. De gostar de me lembrar ainda de tudo e tanto. Através do blogue é complicado recordar nomes e caras, mas se me quiser avivar a memória vou gostar ainda mais de a reencontrar. Beijinhos e obrigada pelo carinho, MAFALDINHA:)
ribeiromafalda@gmail.com
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