Quando o pano se fecha...

(alegoria=representação de uma ideia abstracta)

Quando entrei, a peça já se iniciara. Sentei-me na última fila, refugiada na obscuridade de uma plateia, que se sentia ainda perdida no labirinto das palavras.
O texto era um monólogo. O actor difícil de adjectivar, talvez na casa dos quarenta. A versatilidade da personagem fomentava expectativas. A fluidez do discurso, a simplicidade das imagens, a honestidade da partilha, iam provocando as mais diversas reacções no público, mantido no anonimato feito propósito!
Umas vezes sorriam, outras aplaudiam entusiasticamente, outras ainda não sorriam, não aplaudiam, reflectiam apenas...eu inclusa.
À medida que a peça decorria, a personagem reinventava-se, qual fénix renascida, transfigurava-se, também pela interacção pontual com um ou outro elemento do público. (modernices destas peças actuais)
As palavras, essas eram o mais denotativas possível, mas sensatamente mascaradas de metáforas.
O final era previsível, aliás quase que anunciado no começo da peça.
De qualquer forma, quando o pano caiu, a minha tristeza foi sincera. Nem pude ir ao camarim conhecer o actor.
Só queria dizer: obrigada.

Ensaio pela "humanidade"




Hoje foi um dia como muitos outros. Dentro de uma sala de aula, o tempo flui ao ritmo da vontade da professora e das dúvidas, quase sempre pertinentes, dos alunos.


Ora bem, estávamos então no meio de uma dissertação linguística, só porque me apeteceu e posso, quando um braço se levantou. Sim? - perguntei. Diz o meu lindinho: Professora (não gosto da abreviatura!), agora "humanidade" vai passar a escrever-se sem "h"?
Fiquei sem palavras. Repeti-a, na tentativa de ganhar tempo para uma resposta. Confesso que já li muito sobre o novo acordo ortográfico. Quedas de consoantes mudas, indiferenças entre maiúsculas e minúsculas em alguns casos, simplificações do hífen, supressões do acento circunflexo...enfim, sou uma pessoa que gosta de se manter informada.
Mas, perante aquela inocente pergunta, resolvi dar uma inocente resposta: Não sei! Foi o caos...não pela resposta da professora, na assunção/assumpção (um purismo, de revolta) da sua ignorância (estão preparados para algumas pequenas falhas na minha sabedoria), mas pelo ridículo da imagem desfigurada da palavra. Fica mal! diziam...nem parece a mesma!
Claro que sei a resposta...contudo, este pequeno dilema, de uma simples aula, é pretexto para um breve comentário.

Não basta tudo o que de negativo temos feito da nossa Humanidade, só faltava mesmo despi-la do H, para que a acção destruidora do Homem se mostrasse na sua plenitude, despojando a dita da sua dignidade.




Personagens



Neste incomparável palco da existência, vamos calmamente representando os nossos papéis. São vários os que nos dão...são tantos os que criamos. A peça vai decorrendo e as personagens, pensadas em jeito de modeladas, não são mais do que personagens-tipo!
Hoje, apetece-me falar de actores. Esses que, sem saber, compuseram o meu papel. Tive a sorte, ou quem sabe, o destino, de ter sido aluna de grandes poetas. Assisti a aulas do grande David Mourão Ferreira, fui aluna contestatária de Joaquim Manuel Magalhães, bebi todas as palavras do inexplicável Mário Dionísio. Todos grandes actores. Mestres, enfim, da palavra.
Contudo, o mais marcante nem foi meu professor. Foi convidado, um dia, para dar uma aula no grande Anfiteatro da FL da UL.
António Lobo Antunes...fico sem palavras para descrever essa emoção vivenciada pela partilha de um espaço, de gostos, de palavras.
Ora, há pouco, estava calmamente a pôr a leitura em dia, quando cheguei a mais uma crónica do actor referido. Registo duas frases: "Sou isto, assim desde o início, serei certamente isto até ao fim." e "Que lugar-comum sou."

Neste palco, então, quero ser a junção das duas. Que a minha vida permita que eu seja ISTO até ao fim...que no observar consciente de mim, tenha a humildade de me considerar um lugar-comum.

Nos bastidores...



Sem dúvida que hoje, e depois de dois dias de boa vida, só me posso reduzir à condição dos bastidores.

Estou embrenhada na elaboração dos testes para os meus lindinhos. Claro que a tarefa é quase mecânica, ao fim de tantos anos a produzir estes documentos formais que nos deveriam dar uma satisfação de aprendizagens apreendidas. Bem, resolvi, porque a mecânica também é criativa, pegar no Cavaleiro e iniciar mais uma demanda, sabe-se lá em busca do quê!

Por trás do palco, vim de fugida, espreitar os ensaios e "postar". O verbo existe, como devem saber, no grande dicionário da LP, e significa, abreviadamente, pôr alguém no poste. É isso, encostei-me, por breves momentos, ao poste e lembrei a noite de ontem...

A esse propósito, sinto que devia falar um pouco daquele nosso livro tantas vezes falado, tantas vezes! e nunca escrito. Memórias Ind(e)ocentes. São tantas as que nos unem. E o mais inexplicável é como, a cada memória recontada, sintamos a alegria do momento e acabemos sempre a chorar de tanto rir!

É bom ter memórias destas, é bom partilhá-las a cada encontro, é bom revivê-las no pormenor sempre acrescentado.

O livro ficará para outra altura, quando este grupo, por alguma razão desconhecida, dê o caso, das memórias acrescentadas, por encerrado. Ora, talvez por isso, anteveja um livro nunca publicado.

Até breve.

No palco da Liberdade

No dia 25 de Abril de 1974, houve festa lá em casa. Não pelos motivos óbvios, não porque tinha acabado uma ditadura (que eu nem sabia que existia), não para chegar, finalmente, a democracia (que não levou muito tempo a mascarar-se de ditadura democrática e hoje até já perdeu o adjectivo!).
Enfim, lá em casa, sempre se comemorara esse dia e assim se mantém até hoje. Na verdade, falo do aniversário de casamento dos meus pais. Faziam, nesse ano, 10 anos de uma liberdade, feita prisão desejada, de partilha do espaço do outro. Fazem hoje 44 dessa mesma escolha, tomada em consciência liberta de amarras, mas que os prendeu sabe-se lá até quando.
Neste palco da vida, a Liberdade é difícil de entender. Se a minha acaba, quando começa a do outro, então sou livre até onde? Se quando nascemos, todos somos livres pela tal Declaração, porque escolhemos viver agrilhoados?
Depois irritam-me as politiquices associadas a este valor do ser humano. Porque terão, por exemplo, de associar a Liberdade a flores? E as flores a partidos? Porque será que nunca gostei de cravos? Nem rosas? Terei menos direito à Liberdade por isso? Terei menos direito de falar nela? Escrever hoje sobre ela?
Ontem, numa aula de Formação Cívica, onde discutíamos liberdades, um aluno disse: serei livre, quando tiver o meu espaço. E eu perguntei: qual é então a sua noção de espaço? E ele respondeu: um espaço onde seja eu!
Pronto, falemos então de Liberdade. Falemos de espaços de verdade. Falemos do momento livre em que somos nós.
Não gosto de amarras...gosto de espaço...o espaço da minha Liberdade. Sem a imposição dos dias criados pelos homens.
Há quem comemore o dia do Pai, e o dia da Mãe. Eu, no dia que é hoje, comemoro livremente o Dia dos meus Pais.
E também a Liberdade feita poema, pela voz de Torga, só porque me apetece.
.
– Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

– Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
– Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Ensaio pela Natureza

(foto de JGF)

Toda a minha vida fui uma "mulher do campo"! Gosto da expressão. Leva-me por caminhos de memórias tão felizes, numa infância e adolescência recheadas de momentos naturais. A minha ligação ao verde, à serra, ao rio, ao monte, ao frio, à neve, à planície, ao calor, à ribeira, nasce com esta magnífica bênção de ter um pai do coração do Alto Minho e uma mãe do Alentejo profundo.
Adoro o Minho! Relembro as caminhadas pelos carreiros, para colher amoras, as mãos vermelhas, o andar nos milheirais, mais altos do que eu, diga-se, para poder chegar a uma estrada que me levaria ao único café num raio de 14 km. Desde pequena que o meu pai me ensinou a olhar espantada para a Natureza, a ouvir os seus sons, diurnos e nocturnos, a sentir os seus cheiros...adoro o cheiro da terra, quando acaba de chover. Por vezes, subia, monte acima, para poder chegar àquela clareira no alto do mundo, com umas construções redondas tão abandonadas, que mais tarde descobri ser um castro. Este país é magnífico! Brinquei num CASTRO, achando aquelas casinhas redondas tão adequadas às minhas loucuras infantis.
São tantas as descobertas dessa altura...o nome dos pássaros, os nomes de toda aquela vegetação que me rodeava. Adorava acompanhar o meu pai à Bouça Grande, contar pinheiros, apanhar pinhas para a lareira...enfim. Nostálgico, o ensaio. Quase podia levar alguém a pensar que a minha relação com o campo acabou. Isto era só uma mera introdução. Continuo uma mulher do campo! De todas as vezes que regresso, e felizmente são muitas, espanto-me a cada nova descoberta. Um caminho, no meu Minho, nunca é percorrido da mesma forma. Renova-se o olhar a cada passagem.
Na última vez que lá estive, resolvi levar o meu D. ao Corno do Bico. Confesso que não o subia há algum tempo. Mas continua magnânimo na sua imponência verde, agora paisagem protegida.
Estas são experiências pessoais, resumidas a uma ínfima parte das minhas vivências.
E assim, de repente, recordo outras, feitas no âmbito desta vontade de também ensinar pela Natureza.
No Gerês, Vilarinho de Furnas, 40 miúdos, subindo, descendo, aprendendo, reconhecendo, pelos olhares daqueles que gosto de acompanhar e de ser companhia nestas incursões pela Natureza. Dessa ida, fica aquela noite em que o S. nos levou por caminhos escabrosos, na descida de uma barragem, assustadoramente enorme, escura, murmurante!
Na Serra da Estrela, tantas memórias, numa ida também nocturna, a pé, até ao Vale do Rossio...à luz das laternas. Ficaram os gritos histéricos, no meio da Serra, de uns jovens que nunca tinham visto sapos! que, assustados pelas luzes das lanternas, saltavam desnorteadamente.
Lembro também, de outra vez, com outros jovens que nunca tinham visto neve, uma subida à Torre, por entre carreiros estreitos e escorregadios, onde, pela primeira vez, pudemos ver as nuvens por baixo do nosso olhar. Único. Os meus companheiros naturais: o quase irmão R., o sportiguista N., a A., companheira de sempre, a minha querida M., a minha adorada E., e outros que nos acompanharam pontualmente, nesta vontade que sempre tivemos de ensinar no real, de fazer sentir o poder da Natureza.
Podia continuar a escrever a noite toda, nesta vontade que hoje senti de homenagear o natural.
Mas, na verdade, eu só queria mesmo dizer que, da próxima vez que me embrenhar pela existência agreste, vou estar atenta a outros olhares telúricos. Afinal, esses seres que pousam nas folhas também merecem ser vistos!

Hoje, não ensaiei






É verdade! Hoje não me apetece basicamente nada. Sinto-me um pouco vazia, assim como que... desiludida com os comportamentos humanos!...
Mas não era este o propósito que me trouxe a este palco, no dia que é hoje.
O motivo foi mesmo o dia que é hoje. E a razão é triste: não ensaiei, hoje, dedicar uns minutos ao LIVRO.
Esse objecto tão magnífico, porque enche as paredes, os móveis, o chão da minha casa...
E assim, ao acaso, peguei no que está mais perto, só para lhe pegar, só para olhar para ele, só para o beijar com um pedido de desculpas.
Abri...nem é preciso ser muito conhecedor da minha vida, para perceber que havia toda a probabilidade de ser um livro de poesia. Sem preocupações, abri...e, como sempre... sabe-se lá porquê, um livro é uma companhia sábia, que nos conhece e nos dá palavras de conforto.

Neste dia em que não ensaiei nada de jeito, deixo as palavras de Gedeão...

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

Amanhã será diferente. Neste palco, nunca dois ensaios se repetem.

No ensaio dos olhares



De todos os conteúdos da minha adorada disciplina, um dos que mais respeito é o texto descritivo. Gosto de o ensinar, gosto de relembrar os mestres realistas que, pelo olhar, nos deram a beleza das palavras.

No meio dos recursos, dos planos, dos pontos de observação, das figuras feitas estilo, ressalvo sempre a importância das palavras. Essas que nos darão, sem pudores, a limpidez do nosso olhar.

Ver os miúdos absortos no desafio é uma alegria antecipada. Adoro estas aulas, em que, a cada instante, a cabeça se levanta, e o olhar se fixa, querendo registar o momento.

Foram duas aulas dedicadas a esta técnica rica de dizer escrevendo. Cento e oitenta minutos de uma relação única com o papel, primeiro branco assustador, depois cada vez mais preenchido de palavras sabiamente escolhidas. Falo de miúdos que me chegaram sem fundações e que, pouco a pouco, vão construindo os seus alicerces vocabulares.

Primeiro o retrato... a escolha de alguém revelada unicamente pelas palavras. Os resultados são sempre uma incógnita, principalmente, quando o retrato escolhido é o da própria professora. Ouvir-me dita, envergonhadamente, pelas vozes baixas e rostos corados é só mais uma experiência. À medida que os ouço, tento perceber porque me vêem assim. Serei eu? Serei, talvez, vista por aqueles olhares. Memorizo algumas frases soltas: " delicada como uma jarra de vidro, perigosa como o trovão que rompe a noite negra..."; "os cabelos revoltos como o mar encrespado..."; "nela encontrava uma força da Natureza, uma força que deixava marcas no coração, era uma broca de sabedoria...". Mas a minha preferida, e desculpem lá o conteúdo do ensaio, foi a expressão "a filha da impossível superioridade...".

Pergunto-me se esta brincadeira das palavras, feitas em aula, não terá um pequeno fundo de verdade. Serei vista desta forma? O que verá um aluno, quando olha para o seu professor? Olhares, enfim, não mais do que isso.

Depois, a descrição do espaço, o momento em que saímos da sala e nos espalhamos no recinto escolar, para sentir, para ouvir, para cheirar, para olhar, para registar. É vê-los sentados no chão, encostados nos pilares, alguns deitados, fazendo surgir as palavras motivadas pelos sentidos. O que fica? Registos desses olhares: "sentada no arco-íris de pedra, via aquelas árvores, revestidas de mármore verde, abertas em ramos castanhos como o bronze..."; " os pássaros chilreavam como harpas, as ervas tremiam ao vento e as azedas rejubilavam de alegria..."; "o vento, um pouco frio, vinha ter comigo e cantava as mais harmoniosas melodias..."; " o vento baloiçava os ramos das árvores, ainda despidas, como uma mãe que embala com carinho o berço do seu filho...".

Bem, já disse algures que gosto de ser professora...nestes dias, noutros dias, dia após dia, em que no meu olhar crescem os miúdos, futuros adultos do amanhã.

Que cresçam amando, como eu, as palavras!

Ensaio sobre a nudez



O ensaio de hoje, neste humilde palco da minha existência, resulta de um olhar sobre o mundo... sobre as pessoas que nos rodeiam... sobre as palavras não ditas.

Um mundo cada vez mais recheado de personagens que se querem frondosas, que querem estreias eternas, em salas cheias, com aplausos de pé.

O nosso mundo "dramático", porque teatral, está repleto desses semi-actores, que se iludem no verde das folhas perenes, na beleza caduca, como diriam os meus alunos.

Ora vejamos. Um dia a folha cai. O que resta então?

A nudez dos troncos que somos. Verdadeiramente feios, porque despidos de ornatos falsos. Naturalmente retorcidos, porque preenchidos de memórias. Essencialmente sólidos, porque o depositário da nossa existência.

A verdadeira nudez é a claridade que ofusca o palco, de cenário em fundo negro, impondo a sua sabedoria de experiência feita.

Deve ser por isso que "as árvores morrem de pé".

Desejo que, um dia, antes de fechar o pano, no final da peça da minha existência, me vejam como a árvore que sou, sem a frondosidade das folhas, com os meus ramos retorcidos e sinceramente nua.
(sobre uma fotografia de JGF)

Ensaio sobre visitas

Quando criei este espaço, negro porque a cor da minha existência, nunca imaginei que, de um dia para o outro, pudesse suscitar a curiosidade de meia dúzia de pessoas que por aqui têm passado.
Sei que estive escondida desses olhares por opção. Escondida neste mundo à distância de um clique.
Não sou virtual, tenho alguns sentimentos que prezo. A amizade move-me, alimenta-me, dá-me razão para o meu sorrir todos os dias.
E foi uma dessas amizades que deu a chave desta porta que se mantinha apenas entreaberta.
Escancarei-me, de repente, perante os olhares curiosos de quem lida comigo todos os dias.
É! É verdade, sou assim. Gosto de brincar com palavras. Gosto de ensinar os outros a brincar com elas. Gostos de as ver surgir neste visor, primeiro branco, depois negro.
Já que vieram, obrigada.
Ensaiarei de igual forma, com o objectivo de encenar esta difícil peça que é a existência.
Espectáculo? Talvez um dia, num palco livresco, para uma plateia de A a Z, num dicionário de aplausos, num foco de luz de significados conotativos.
Bem-vindos!

Ensaio sobre a derrota

A condição de ser benfiquista é uma lição de vida.
Ser adepta de um Clube como aquele é aprender a encarar o mundo com olhos sérios e conscientes. Se não vejamos.
Primeira lição de vida: a honra e a glória também se perdem, não são eternas.
Segunda lição de vida: as derrotas têm o mesmo sabor, quer sejam grandes derrotas, quer sejam pequenas, sem importância.
Terceira lição de vida: o deslumbramento cega o mais incapaz.
Quarta lição de vida: não é o dinheiro que nos faz ser alguém; que nos faz saber; que nos dá competência.
Agora digam lá que não é positivo ser do Glorioso. Aprende-se a ver a vida de outra forma.
Aprende-se a ser feliz, porque sempre preparados para vivenciar cada dia na expectativa de mais uma desgraça.

As pequenas coisas



Sempre ensinei, a quem de direito, que a palavra coisa é desprovida de significado. Mas, agora, pensando um pouco no caso, é mesmo sobre isso que quero falar: o desprovido de significado.

No meio do turbilhão de palavras, que todos os dias ecoam na nossa já tão cansada mente, procuramos dar significado a todas elas. É nesses momentos que devia existir alguém, com superioridade intelectual, que nos dissesse: pára!

Porquê procurar significados onde eles não existem? Onde não fazem falta? Onde obstruem o evoluir da razão?

Com ou sem P, com ou sem C, as palavras têm outro valor. Têm poder. São belas as palavras, quando as pronunciamos com amor, quando as articulamos com paixão.

Tanta celeuma. Tanta discórdia sobre um qualquer acordo, que parece vem por aí.

Vem este discurso desprovido de sentido a propósito de uma pergunta colocada hoje: O que é o blog da G.?

Bem...eu não queria ser associada a um estrangeirismo ligeiro!

O que é o blog da G.?

São palavras, como coisas, talvez, ou talvez não, desprovidas de sentido.

Tal como a própria autora do dito, o blog é o depósito dessas palavras pronunciadas com amor, articuladas com paixão!

Gosto de palavras, enfim! até das palavras como COISA.

Ensaio feliz

Hoje escrevo para alguém em especial. Não pela certeza de que serei lida, mas porque, por vezes, a distância não nos permite dizer o que nos vai na alma.
É feliz o meu ensaio. Porque relembro um vestido preto, caminhando cheio de vida, por uma sala absorta pelas palavras. Porque lembro um caminhar cheio de personalidade teatral, na beleza de uma voz meiga. Porque sinto a força de um dizer nas palavras de um poeta.
É feliz o meu ensaio. Porque antevejo novos caminhares, novas salas cheias e silenciosas pela presença incomparável de ti.
É feliz o meu ensaio, porque nesta peça que tens representado ultimamente, enquanto actriz principal de um papel que ninguém deseja, tens sido magnífica. Peça difícil, esta que te deram. Que eu nunca te daria, enquanto tua encenadora, não porque não conheça a tua força, não porque não saiba que o final seria de aplaudir de pé, mas porque representar neste palco da vida traz lágrimas. Não gosto de te ver chorar.
É feliz o meu ensaio, porque te espero deslumbrante na minha próxima peça. Que choremos de tanto rir. Que choremos de alegria de vitória. Que choremos porque venceste.
É feliz o meu ensaio, porque estás no meu coração.

Ensaio sobre pais

Claro que não vou falar dos meus. Falo dos pais dos meus alunos. Hoje, foi dia de os receber para a conversa habitual de início de período.
Sala cheia, a abarrotar enfim, afinal gosto que os meus alunos estejam presentes e o mais interessante é que eles também gostam.
Nestes dias, assumo o meu papel nesta peça de direcção de turma, nesta tentativa de formar seres humanos. Os mais velhos, os mais novos. Até aí gosto de me ouvir. Sou boa actriz. O discurso flui como sempre e lá vai tacada daqui, tacada dali.
Nunca fui interpelada. Nos momentos em que digo que estou à inteira disposição para responder a perguntas, nunca há perguntas. No fundo, está tudo verdadeiramente esclarecido. Eu quero o melhor para os meus lindinhos, os pais não têm coragem de me contrariar. Eu ralho com eles e os pais agradecem, eu falo com eles como adultos que não são, mas virão a ser.
Lindo, lindo, é ver, no meio destas reuniões, o abanar de consentimento dos meus alunos, a lágrima que cai ao ouvir pela enésima vez as palavras anteriormente ditas em aula.
Não há Lurdes, nem Sócrates que me tire esta minha satisfação de reconhecimento dado pelo olhar dos grandes, dos pequenos.
Gosto tanto de ser professora, naqueles momentos em que as burocracias das ditaduras impostas me permitem sê-lo: dentro de uma sala de aula, com aqueles olhos fixados em mim, bebendo as minhas palavras.
Obrigada.

Metal

Toda a minha vida tenho ouvido os mais variados géneros musicais. Há músicas que fazem parte da minha história. Ouço-as sempre que me sinto vazia de sons!
O mais interessante, para quem me conhece, é que é difícil associar-me a um género que adoro: heavy metal, e todos os outros "metal". Com doze anos, ouvia AC/DC em altos berros, naqueles momentos de abandono, em que a casa era toda minha, todo o dia. Vem isto a propósito de outros conhecimentos.
Há uns anos atrás, fiz numa viagem com um amigo meu, ainda mal se falava em CD, e ele já tinha o seu automóvel equipado com uma tecnologia para mim nunca vista. Entre os minúsculos Cds, que por ali pululavam, Queen, U2, e outros que tais...o meu amigo pegou num e disse: Vou pôr, vais ouvir, vais amar.
E foi assim que me apaixonei por este grupo, de cabelos compridos, sons de guitarra magníficos. Sempre que algo não me corre bem, volto para eles, procurando o meu conforto.
Hoje, precisei desse conforto...e de todas as possibilidades de músicas, só esta me deixou bem disposta.
Sou metaleira, enfim.
10 minutos da melhor música que se faz e obrigada a esse meu amigo.

Ensaio do esquecimento

Às vezes não nos devemos esquecer daquilo que já nos fez tanto bem.
Falo de música. Desta também.http://www.youtube.com/watch?v=yHlMD_nRrqU&feature=related

Ensaios para não dizer



Sempre que se aproxima a altura de mais um encontro ao mais alto nível, prometo a mim própria não abrir a boca. Não expressar opinião. Não dizer nada. Ficar calada como todos os outros. Aceitar de jugo curvado o que me tentarem impingir.

Acontece que não consigo. É mais forte que eu. Durante os primeiros minutos, a ouvir as vozes repetitivas, vou-me contorcendo, vou batendo com o pé ritmadamente no chão, vou olhando pela janela...vou enchendo, enfim.

Depois, não aguento! Elevo a voz que toda a gente conhece e digo o que me vai na alma. Digo o que penso, digo o que defendo, aponto o que para mim não está bem. Bolas, sou adulta e desde pequena que acredito nos meus ideais, nos meus pensamentos, em mim.

Foi isso que se passou hoje, em mais uma reunião, onde supostamente me devia calar. Tentei, juro que tentei. Mas não foi possível. É tanta a falta de certezas, a falta de argumentos, a falta de competência.

Disse. Tornaria a dizer tudo outra vez. Nem mais alto, nem mais baixo. Todos se calam para me ouvir. E isso ainda me irrita mais, muito mais.

Uma reunião, supostamente para não dizer. Desculpem lá, mas se existe o tal Deus, ele deu-me esta voz para que eu a ouça e me orgulhe dela.