[Luís]
Terça-feira. Dia de ensaio, no palco real. A tarde estava quente, pintada nessas cores esbatidas pela força de um sol ofuscante. Entrámos rapidamente na Sala Gil Vicente. A obscuridade fresca recebeu-nos em sombras desenhadas nas paredes. No silêncio do auditório, quase podíamos sentir o nervoso que antecede uma representação.
A estreia está marcada para daqui a duas semanas e o meu sempre alegre elenco preparou o palco para mais um ensaio.
A peça há muito que foi memorizada, as falas expressivamente interiorizadas, as marcações no palco nunca falham... iniciámos o ensaio, ao som de um tambor que se afasta. Durante os primeiros minutos, as personagens em cena mimam os gestos de bonecos que acordam para a vida. Almada Negreiros, com certeza. Depois, no nascer do espanto, cresce o diálogo... primeiro, num jeito tímido, para logo ganhar a força de quem tem tanto a dizer sobre o "Homem".
Ora bem, desde que iniciámos os nossos ensaios que a minha lindinha falha, invariavelmente, a mesma fala. Vestida dessa Boneca que tem o coração maior do que o peito, tropeça, todas as terças-feiras nas mãos... hoje, não foi diferente! Quase no final da peça, a personagem Boneca deveria dizer ao Boneco: "Dá-me a tua mão!... Que as tuas mãos não sejam as minhas... ". Na sua jovem inconsciência [?], a aluna aprendiz de representação repete, semana após semana, "... Que as tuas mãos sejam as minhas... ". Interrompi o ensaio. A minha lindinha lá foi dizendo que sabe a fala, mas que ela não sai... "É estranho, Professora... parece que a minha boca se recusa a dizer que as mãos dele não podem ser como as minhas... deveriam ser, não? Afinal, eles gostam, ou não, um do outro?".
Pedi-lhes que descessem do palco... sentámo-nos na plateia e conversámos sobre o significado da fala. Sobre a verdadeira mensagem da peça... sobre palavras... mãos... sobre o coração...
A luz dos projectores já tinham espalhado o calor da tarde pela sala. Voltaram ao palco. Reiniciaram na fala da Boneca... e, suportada pela força do olhar, pelo poder das mãos entrelaçadas, a minha lindinha proferiu cada palavra coroada de sentimento: "Dá-me a tua mão!... Que as tuas mãos não sejam as minhas!... que sejam outras mãos como as minhas...". Ela sorriu... ele sorriu... e eu aplaudi.
32 comentários:
... a minha ternura na tua... mesmo que seja outra...
Beijo abraçado
Querida Graça,
Li-te ao som desta música que escolheste, e quase senti essas mãos entrelaçarem-se, como se fossem as dela nas dele. Os teus ensaios reais são sempre tão... faltam-me palavras.
Um beijo do teu sempre admirador e amigo
PJB
Lindo, Graça.
Veja a importância e a beleza do seu trabalho, ao qual você se entrega de corpo e alma. Depois de tentar ver qual era o problema com a lindinha e depois de professora e lindinha o compreenderem, a pupila por si só improvisa e é aplaudida, porque ela tinha compreendido mais além.
Lindo.
Um beijo, espero que esteja melhor. Quanto a mim, estou um caco.
Renata
Querida Graça!
Dizem que o intervalo entre os nossos dedos é para que caiba outros dedos entrelaçados neles.
No teatro do teu teatro, posso ver que o fazes com amor....
Que as mãos que entrelaçamos não seja as nossas próprias mãos,mas que realmente sejam feitas para a medida das nossas
um beijos com carinho
Rachel
Queridíssima Paola,
... que seja outra como a minha...
"As minhas mãos não me bastam!... faltam-me outras mãos como as minhas!"_______ é lindo, não é?
Almada Negreiros... sempre.
Beijo meu
Meu sempre, de sempre, amigo Paulo...
Os meus ensaios reais são... reais, como os outros... tu sabes!
Beijo imenso de saudade
[para breve, espero]
Sempre presente, Renata,
Guardo as suas palavras no coração... porque "Só não entende o coração quem não sabe escutá-lo..." _______ ainda Almada Negreiros.
Beijo com carinho
Rachel,
que sejam tudo isso... e que bom ver-te por aqui.
Beijo meu com carinho.
Mil caminhos
Esta viagem sem velas nem vento
Este barco na bolina das ondas
Esta chuva miúda transborda sentimento
Amarras prendem o gesto
Arrocham um coração que bate incerto
Uma gaivota retoca as penas com espuma
Levanta voo em rumo concreto
Partilha comigo “100 Anos de Ilusão”
Mágico beijo
Que bela tarde!
Por momentos, estive nesse ensaio e percebi como só pode dizer-se bem no palco do teatro ou no palco da vida, aquilo que se sente, que se sabe, que se entende.
A lindinha não vai enganar-se mais.
Parabéns!
A estreia vai ser um sucesso, não tenho dúvidas.
Olá Graça,
...Tanto as mãos e a boneca de sentir…
As mãos dadas e sempre unidas… livres de agir e que cada gesto seja assim como no teu infinito ensaio colorido de emoções e ensinamentos encantados que acordam para a vida os corações…
Imenso beijinho
No fundo, nós não temos mãos a medir. Daí que outras mãos como as nossas sejam sempre uma ajuda a receber de braços abertos.
Nunca fiz teatro, mas será possível fazer uma boa representação sem ter percebido bem o texto e o contexto da peça?
Ou dizer bem um poema?
Querida Graça, gostei. como sempre do teu post.
Um beijo.
Graça...
As mãos não vacilam,
no olhar almeja-se o riso
da resposta.
Devaneios,
incendeia-se o palco!
Aplausos!...
Beijos!
Por vezes procura-se um "entender" o que não é real. É assim e, enquanto "Ensaio", podemos beneficiar de um "interromper" e obter um "saber". Depois, Depois é mais a "realidade" que o "ensaio".
A "lindinha" aprendeu, agora, a personagem e o gesto. E Tu...
Que bem o ensinaste.
bj...nho
sérgio
não me esqueci... terei que chegar até aqui com mais tempo!
beijo terno e gracias
Meu querido Profeta,
Estou em falta, bem sei... irei, logo, ler o restante dos "100 anos de ilusão".
Beijo imenso em ti.
Lídia,
que bela tarde, sim! Como tantas as tardes da minha vida de encenadora e autora de teatro. E o meus aprendizes são, sempre, actores "a sério" no dia de estreia.
Beijo meu
Fá, linda Fá...
coloridas sempre... as tuas palavras, que me animam. A cada pincelada tua, eu vejo um arco-íris de sentires.
Beijo salpicadíssmo
Queridíssimo Nilson,
outras mão como as nossas são sempre tudo isso que dizes...
"Dá-me a tua mão!... que eu saiba da tua mão..." - Almada, porque sempre a propósito.
E não... não é possível uma boa representação sem o entendimento do texto... quanto aos poemas, um dia, digo-te um :).
Um beijo para cada dia, até segunda :)
Albino...
quando vens deixar poesia no meu palco... ele ganha outra luz. Obrigada... e vou procurar as asas das gaivotas :).
Beijos meus
Meu amigo Sérgio,
Por vezes, procura-se entender o que não é real, mas também o que é a nossa realidade, a minha... em cada um dos meus ensaios.
Beijo grande com carinho
Jorge, querido Jorge,
Obrigada por estares, aqui, e não te esqueceres.
Beijo como o teu e não agradeças
nas mãos que aqui são dádiva deposito o meu obrigada!
.
que é sempre.
Isabel,
eu é que agradeço, sempre, tanto, tê-la no meu humilde palco.
Beijo e até...
Olá Graça!
Sempre gostei de improvisar. Enquanto músico (não sei se sabias que tb dou bordoadas nas cordas e cuspo microfones rsrsrsrsrs!) faço-o constantemente... Agora há coisas, sim, às quais demos fidelidade.
Os meus aplausos tb aí para o teu pessoal.
bjs
parabéns pelo esforço e pela vitória!
Bom fim de semana, linda.
Carlos,
Um dia também irei aplaudir-te... num dos teus improvisos.
Beijos meus
São,
Obrigada e bom fim de semana também.
Beijo com carinho
Comovi-me Graça, com este final tão feliz! A felicidade comove-me, o vencer de obstáculos e o estímulo, foi o teu estímulo, o teu aplauso final que mais me comoveu!
Não deve haver aluno teu que não saia marcado pelos teus ensaios, pela tua paixão pelo teatro, pelo teu estimulante sentido da vida e pela forma como o transmites.
Beijinhos.
Branca
Sabes, Branca, cada palavra que me deixas é um incentivo para os meus dias. Ter-te encontrado, nestes caminhos de vida, faz-me, sempre, feliz. Obrigada, querida amiga.
Beijos sentidos [pelas outras palavras também]
[o coração
das
mãos]
Lupus...
nem mais!
Beijo
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