(foto de Luís) Quando entrou, pela primeira vez, na minha aula, trazia, no olhar acanhado, todas as histórias que ouvira a meu respeito. Talvez, por isso, nem tenha olhado para mim. Sentou-se na última fila e, desde logo, mostrou um gosto imenso por aprender. Era um miúdo tímido, que nunca lera um livro por iniciativa própria, que tratava as palavras escritas com o desleixo de quem não lhe reconhece qualquer valor. Queria ser cientista e, na sua inocência dos treze anos, não compreendia, ainda, a necessidade de uma aula de Língua Portuguesa, que o roubava ao Clube da Ciência, onde o seu quase pronto robot o aguardava.
Desaparecia na cadeira, quando solicitado a uma participação oral. Tinha um discurso atabalhoado, numa gaguez que não conseguia controlar. Cedo percebeu o martírio de cada aula que teria comigo. Na primeira vez que teve de fazer uma exposição oral, libertou as encabuladas lágrimas, quase implorando que eu o mandasse sentar. Fingi que não vi. E, durante os dez minutos, que se lhe devem ter afigurado dez horas, lá foi falando para essa plateia chamada turma, molhando cada palavra num sal de raiva. Quando terminou, comentei seriamente o seu momento de expressão oral, apontei os aspectos negativos e salientei os positivos. Sequei cada lágrima num dizer formal, como quem fala com um adulto.
O tempo foi passando... o meu lindinho foi libertando, a cada lição, sem receio, as suas palavras. Quando se aproximou o tempo de uma segunda exposição, pediu-me, num fim de aula, com os seus modos correctos e meigos, se eu não me importava de não olhar para ele durante a próxima exposição oral. "Não leve a mal, Professora, mas os seus olhos intimidam!". "Com certeza.", respondi... e, no dia seguinte, segurei-lhe esse olhar nervoso, de início ao fim da sua actuação.
Bem, passado um ano e meio, no dia de hoje, o meu aluno deu uma aula. Orgulhoso, a cada palavra verbalizada com segurança, durante quarenta e cinco minutos, numa aula de Formação Cívica, apresentou o seu trabalho de nome sugestivo "O pensamento de cada um"! O seu discurso começou sério, encarando nos olhos cada um dos elementos do seu público, com uma pergunta que me soou a deixa dramática: "O que fazemos aqui?" Seguida da resposta: "Andamos, somente, à nossa procura!"
Não me apetece reproduzir nada mais daquela aula... guardá-la-ei, por todas as razões, no meu camarim-memória, onde me visto para este palco.
No final, fiz o meu elogioso comentário... e recebi a dádiva da resposta num sorriso espontâneo : "O modelo também não é mau..."