Ensaio pela salvação...

(foto de Paulo)

Quando, na interrupção do palco escolar, experimento a falta das palavras, apresso-me a pegar num qualquer livro. E releio! Gosto de reler. Oscilar, como pêndulo de relógio antigo, entre a primeira interpretação e a descoberta de novas denotações conotadas.

Aconteceu-me pegar nessa sinfonia orquestrada pela batuta de Erik Orsenna, A gramática é uma canção doce. Mais do que uma alegoria sobre a importância das palavras, o livro é uma lição ternurenta sobre a relação de uma jovem com a "ossatura" da língua. Um processo de aprendizagem que culmina no respeito imenso por esse "reino das excepções" que é a gramática.

Quando retorno a um livro, nunca o abro da mesma forma. Desta vez, fui parar na parte em que a personagem principal visita o hospital das palavras. Palavras cheias de dores, provocadas pela acção inconsequente dos humanos. O Sr. Henry leva-a ao quarto onde padece, seca e pálida, essa pequena frase "Eu amo-te". Cansada de ser repetida sem significado genuíno, gasta de ser vestida de mentira, descolorida pela leviandade com que é proferida. Seria tarde para a salvar? Questiona a pequena Jeanne.

Fechei o livro. Sei como continua. Conheço o caminho até ao final. A imagem do hospital ficou subjugando o meu pensamento. Quantas palavras e quantas frases já maltratei, nos papéis que represento no meu palco real?

Na próxima incursão pelas minhas prateleiras, escolherei poesia...

15 comentários:

Heduardo Kiesse disse...

e quantas palavras ficam por curar? quantos versos ficam atados à ligaduras que nada ligam por terem já caido na banalidade?
so se for num outro planeta - novo em folha - porque de tanto repetir perdemos ou gastamos o significado!

é preciso limpar o pó das gramáticas de sempre!

obrigado amiga
aquele beijo, este tão teu, tão nosso!

Anónimo disse...

Nunca consigo ser o primeiro!
Não será que todos maltratamos as palavras? Mesmo essas "eu amo-te", tantas vezes ditas sem verdadeiro sentimento.
Agora umas que nunca gastarei em ti: gosto de ti!

Bjo, querida.

(e não vieste!)

O homem e a mente disse...

A cura existe e elas são curadas.
São curadas quando alguém as expressam sentido o que falam, falando o que sentem.
São curadas quando o verbo que as conjuga é sentir e o sujeito é o homem.

arjuna disse...

Graça,
É, a frase "eu amo-te", só devia ser enunciada sob forte intimação, por assim dizer, à ponta de espada...
Em tempos em que os códigos do falar corrente podem aceitar a expressão aplicada a algo como um objecto: "eu amo aquele cinto de anéis"...
A poesia (e se possível, se possível, o amor) é a verdadeira clínica das palavras, como dizer melhor...?
Aposto que sente, Graça, nostalgia de um tempo que deve ter havido em que expressões que os poetas cunharam foram poesia, antes de se tornarem correntes, comuns... Como ouvi dizer ou li, "um fio de azeite", "o nascer do sol", já foram poesia...
... E terá havido, haverá ainda um tempo em que dizer "eu amo-te" fosse um deus que nascia?...

Fique bem, um beijo
~~j

. intemporal . disse...

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Acordo no delicioso post que encontro aqui.
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Na incursão magnífica pelo delicado da sílaba que urge ser mantida em tom m.a.y.o.r.

Sensibilidade impressionante a tua, querida Graça.

Eu, que nunca reli uma prosa.

Eu, que nunca reli um livro re.començando numa página qualquer.

A não ser a poesia.

E a foto do Paulo é tua.

Que te trouxe nas margens do vento, onde a asa sensibiliza a sustentação.

E vou para re.voltar.

Sempre,
_____ p.

[Todas as músicas que escuto aqui, são alma gémea onde renasço.]

RENATA CORDEIRO disse...

A expressão " Eu te amo" nunca estará gasta e nunca será proferida levianamente por aqueles que verdadeiramente amam. Só os que são incapazes de amar, ou os frustrados, pensam assim.
Desculpe-me, mas sou sincera.
Um beijo,
Renata

Anónimo disse...

As palavras, amiga, as palavras que tu tratas tão bem!Se algumas maltrataste foi porque... elas te maltrataram também.

Beijo abraçado

[Mais logo, cansaremos algumas...]

Nilson Barcelli disse...

Se gostas, acho muito bem que publiques aqui os teus poemas.
Mas ainda não vi palavras maltratadas por ti, antes pelo contrário. Acho até que elas se enamoram de ti...
Beijo.

Conde Vlad Drakuléa disse...

Concordo, também acho que as palavras se enamoram por ti, és uma palavra única Graça, te adoro ;)

Beijocas novas do conde, au revoir!

f@ disse...

Olá...
Vou copiar o teu en saio e volto + tarde...

beijinhos

f@ disse...

de volta O Uni Verso poético… é vadio, não sei se não terá fugido das prateleiras para uma qualquer gaveta ou mesmo se escondido dentro dum livro grande de
a venturas…

Já dei por mim a adorar livros que antes não tinha conseguido ler 10 páginas e a ler depois a obra completa do autor… e o contrário tb…

Na tentativa de salvar as palavras que mais gosto… vou-as poupado do desgaste e da farsa

Gosto mto deste ensaio e fico com vontade de escutar essa sinfonia…

Beijinhos grandes

Branca disse...

E fazes bem Graça, na poesia as palavras são leves, talvez menos gastas, paridas no fundo da alma. Bem, acho que no romance de ficção também, há autores onde as palavras por mais simples são sempre reinventadas, criativas, genuínas. Disparate o meu, estou a querer "ensinar o Pai Nosso ao Vigário", mas de facto por mais leiga que seja é um tema que discutia em 1974/1975 nos meus grupos de jovens e nos meus tempos de namoro, uma geração fruto da contestação dos anos sessenta e que vivia apaixonadamente a descoberta e a consciência dos novos valores e recusava atitudes gastas e palavras atiradas sem sentido. No entanto hoje algumas palavras estão ainda mais gastas, perderam o brilho pela leviandade com que são proferidas, como muio bem dizes, mas nenhum de nós está isento e bem hajas pela tua chamada de atenção final. Não nos podemos distrair na reflexão das palavras que proferimos.
Beijinhos para ti.
Branca

Unknown disse...

tantas palavras maltratadas por tantos... eu incluo-me...

creio que a pureza absoluta sera desumana.

beijo

sérgio figueiredo disse...

O hospital das palavras.

Será que ele existe? Quando visito o teu blog e me encanto a contar as palavras, a ler as palavras, o sentido das palavras, a sensibilidade das palavras que expressam bem a sensibilidade de quem as escreve e me obriga a guardá-las...para as reler.

Não creio que sejas utente deste hospital.

beijinho

Isabel disse...

embora seja poesia.

o texto.


hospital de palavras é uma metáfora esplendida....


bom dia Graça....salvífica.


um beijo.



(piano)