Ensaio por tudo o que não tem sido escrito



     Há caminhos difíceis de trilhar. Não falo, obviamente, de caminhos reais, aliás, nem o verbo trilhar fica correto no contexto em que está a ser utilizado. Por vezes, munidos de uma veleidade inexplicável, consideramos que podemos descontextualizar os vocábulos e dar-lhes a roupagem da expressividade.
     Resumindo [já?], deixei o meu palco abandonado por nenhuma razão aparente, ou melhor, por uma razão bem palpável: esgotei as palavras.
     Dito desta forma, quase parece o início de um poema de um grande e respeitado poeta, no entanto, retrata a mais pura verdade [haverá verdades impuras?], de repente, num ápice, acabei com as palavras. Assim. Sem mais nem menos.
     Se escrever com franqueza, a razão foi simples. Perdi o meu palco, deixei de ligar as luzes, abrir o pano, bater o texto, sentir o nervoso miudinho da estreia... deixei de ensaiar. Literalmente. Os meus atores trocaram a madeira ressonante pelo ecrã gélido e silencioso [mais ou menos].
     O meu palco mudou. Assoberbado pelas milhares de páginas a preencher, pelas grelhas, pelas fórmulas, pelos cargos, pelas flexibilidades de cabeças pouco pensantes e nada pedagógicas.
     Esgotei as palavras, gastas noutros tantos registos desnecessários, embrulhadas, encapotadas num cumprimento difícil de cumprir.
     Há textos difíceis de ler. Não falo, obviamente, de textos reais, falo dos meus ensaios, perdidos num palco empoeirado, à espera de um espanador qualquer.

     Se ainda gosto do meu palco? Enquanto houver palavras, gastá-las-ei por aí. Ensaios? São palavras apenas.

Ensaio pelo sim, pelo não...




     Há dias, fomos ao teatro. "Ir ao teatro", só por si, já é uma expressão inovadora para aquela mole humana mais conhecida por alunos. Das três palavras, a mais importante, no momento da explicação da atividade, era mesmo a primeira: "ir", não importava onde, não importava quando, não importava com quem, mas, pelo sim, pelo não, convinha saber se era possível levar lanche.
     Efetivamente, o Teatro é uma realidade que não faz parte da irrealidade em que vivem os jovens, por estes dias. Não tem ecrã, não tem teclas, nem "dados", nem "password"... nem nada que interesse! Claro que o sentimento de expetativa germinava algures, perante o desconhecido.
    Sei que alguns nunca mais esquecerão aquele momento, sei também que muitos não tornarão a entrar num auditório de teatro, sei ainda que outros quererão repetir a experiência, no entanto, o que mais me impressionou foi o silêncio com que foi absorvida cada fala, os risos cristalinos a cada gesto inesperado dos atores, os olhares cúmplices, quando repararam que faltava uma cena no Auto! Eles sabiam que faltava uma cena! 
    Afinal, ainda vale a pena andar por este palco escolar, para vivenciar uma experiência única: a primeira vez que os meus meninos assistiram a uma peça teatral, no sítio certo.