[Vila Nova de Milfontes]
Por vezes, a encenadora abandonava o palco de todas as representações e seguia, num trilho premeditado, em demanda da verdade. Cansada de encantamentos repetidos à exaustão, de palavras artifícios-literários ditas por actores convictos e convincentes, saía, por atalhos felizes, em busca de amadores do real. [os que não temem o amanhecer de cada noite]
O destino era sempre o mar, só por ser longe da serra guardiã de todas as falsidades... o mar revolto de vida, de ondas sorridentes, no espraiar de sentimentos enraizados nas acácias, que não queria perder.
Corrompia, no renascer de um percurso quase iniciático, todas as regras e montava o palco num delta de cordas resistentes. Abriam-se, então, novas audições... procuravam-se actores que amassem a vida, e não a imagem dela; que usassem as palavras na sua pureza denotativa, sem o exacerbar egocêntrico; que olhassem o passado como tempo de aprendizagem, e não como muro impeditivo da felicidade presente; que não seduzissem em todos os palcos, em peças repetidas, por demais conhecidas, e fossem tão-somente genuínos; que não procurassem aplausos de afectos nunca retribuídos, e soubessem apenas 'ser'.
Sentava-se, então, na areia, entrelaçava dedos noutros dedos e, num olhar partilhado, sentia-se num porto de abrigo... e a brisa trazia de volta todas as palavras de esperança, ancoradas na felicidade.
[Porque há palcos assim...]