[Graça]
Entrou, sem pressa, na sala vazia e atravessou a plateia, envolta na escuridão... a mesma com que lhe pintaram os pensamentos, naquele dia.
Subiu ao palco e contemplou as cadeiras ordenadas, desprovidas do calor do público. Não pretendia assistência. Desejava apenas reencontrar-se com o que fora... dispensaria adereços falaciosos, cenários prováveis e nunca reais. Prescindiria de "falas" gastas, na repetição de uma peça sem criatividade, ornada de palavras que só magoavam...
Fechou, então, o pano e, na segurança da solidão dos bastidores, procurou o seu Poeta. Porque, por vezes, precisava do saber-dizer de um poeta... quando sentia que o mar, fugidio e teimoso, insistia em esconder o cais, onde sempre quisera aportar; quando se gastava em ondas de sentimentos que nenhuma rocha compreendia; quando, no adensar das nuvens, tentava vislumbrar um farol de entendimento; quando o vento, disfarçado de doce Zéfiro, lhe soprava, do alto da serra, imperativos adversos ['que se rasgue o sonho'].
Procurou o seu Poeta, não um poeta qualquer, não um vendedor de sonhos lacerados, ainda antes de poderem ser sonhados...o Poeta. Abriu o seu livro, como sempre fazia, ao acaso. [Não são as palavras acasos de coincidências da vida?] E lá estava o seu sentir, retratado letra a letra:
"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço." [Álvaro de Campos]
Simples, tão simples! Reconheceu-se: cansada! Fechou o livro. Regressou ao palco e abriu o pano, num sorriso pleno. Estava pronta para recomeçar, noutra peça, talvez, onde as palavras a fizessem feliz!