[Luís]
Pelo palco escolar, os dias já segredam a inevitável despedida. A um mês das últimas aulas, os meus lindinhos aproveitam qualquer contexto para falar desse dia. O último. Esse que, nas contradições próprias da existência, desejam e não desejam. Será um voo, ainda de asas acanhadas.
Quando chegaram à minha vida, traziam a inquietude de quem não quer ser criança, mas ainda não é tratado como um adolescente. Vi-os crescer, durante três anos, literalmente "adolescer". Comigo partilharam as dúvidas da mudança, as lágrimas de dor, de raiva, as primeiras paixões, os problemas que não esperavam, mas acontecem. Deram-me sorrisos abertos, no amanhecer de cada dia... encheram as minhas tardes com o calor brilhante dos seus olhares. Sei que cada um, de forma diferente, me guardará no seu "baú" de recordações. E voltarão, como todos os outros, durante anos, para me darem a alegria dos seus objectivos concretizados, dos obstáculos ultrapassados, para que eu assine a fita de final de curso, para que eu saiba dos seus primeiros empregos... e tratar-me-ão sempre por "Professora"... é uma história repetida, ao longo destes quase vinte anos, em cima deste "palco" que amo e que é a minha profissão.
Hoje, era dia de balanço final do estudo da obra de Camões, Os Lusíadas. Dos preconceitos iniciais, nem um resquício... apreenderam que, para se falar de algo, é preciso conhecer. Falaram, então, de simbologias, de uma viagem metaforizada em percurso de vida, e escolheram o momento que mais gostaram. O Canto IX. Sem qualquer hesitação. Sorri... porque não faz parte dos programas de Língua Portuguesa... mas não resisto. Dou-o na íntegra.
A aula transfigurou-se, rapidamente, na defesa da actualidade da mensagem de Camões. Centralizaram-se no momento em que Cupido, furioso com a Humanidade rebelde, [porque ama erradamente], resolve preparar uma guerra exemplar, contra os que amam o que 'foi criado para ser usado e não amado', contra os que amam mais os animais do que as pessoas, contra os que só se amam a si próprios, contra... contra... os que têm medo de amar.
Conclusão de um dos meus lindinhos: "Nada mudou, desde Camões!".
Neste momento, em que cada palavra pronunciada se veste do fatal "adeus", que germine nos meus lindinhos a semente que tentei plantar, em cada um, de respeito pela sua língua, pelos seus Poetas, por todos os artífices das palavras... de respeito por si próprio... de respeito pelos outros. Do respeito, nascerá o amor. Uma plantação de amor, enfim.