Da coincidência do "submerso"...

[Almas Submersas - pintura de Teresa Ribeiro]


Pintar é também representar. Figure-se a tela, como palco que se espanta perante o enigma da existência; entenda-se o traçado, matizado pela essência do sentir, como personagem imprevisível; calem-se as palavras-falas, para que a trama se exprima na criatividade da forma, na elegância da cor.

Há uns dias, fui visitar mais uma exposição de pintura da minha amiga Teresa Ribeiro. Ecos e Ressonâncias. De pintura nada sei, unicamente gosto. Muito. Quando chego, percorro toda a exposição, tentando ler, em cada quadro, uma página de um livro que urge decifrar. O meu amor pelas palavras nunca me abandona e, sem qualquer dificuldade, em cada linha, em cada forma, conoto sentidos lexicais. A linguagem pictórica faz surgir, em mim, uma vontade indizível de escrever.

Desta vez, a minha atenção recaiu num quadro de nome sugestivo, "Almas Submersas". Provavelmente, influenciada pela coincidência de ter terminado a leitura dessa narrativa magnífica, Sonhos Submersos, do meu querido amigo A. Pinto Correia, fluíram as palavras... as minhas, submersas... que guardei! Talvez, um dia, as ofereça à minha amiga, como já fiz noutros momentos, decorrente de outras exposições, de outros quadros, de outras leituras.

No intervalo da peça maior, decorrem os dias plenos de outros palcos. Da pintura à literatura... "porque há sempre mundos antes impensados para explorar." [Sebastiana Fadda]

Ensaio pela sinestesia [de ser...]

[Luís]



O sorriso melífluo escorria por entre os dedos inquietos. Era inaudível o olhar, desatando brasas incandescentes do não-dizer. Saboreavam-se afectos numa sinfonia de respiração anelante. Os toques indeléveis espraiavam-se no aroma do desejo...
Na frágua do dia, vislumbravam-se, apenas, ondas sinestésicas no celebrar dos sentidos.

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[Há momentos em que é necessário fazer uma pausa... o meu é este. Obrigada. Tanto. Por tudo. A todos. Até...]

Para quem ama as palavras...

[Luís]


No primeiro dia do ano, reuniram-se, em consílio, as palavras. Cansadas da anarquia reinante, na casa da língua, exigiam ser ouvidas. Reclamavam por uma deliberação justa, que impedisse que fossem truncadas, aleatoriamente, na sua essência morfológica, ou substituídas por estrangeirismos petulantes. Queriam, ainda, que as não disfarçassem, de forma sistemática, de sentidos que nunca pediram...

Tentou-se uma certa ordem na assembleia. Deu-se, assim, palavra à primeira palavra. Falou, com voz serena, em nome de todas as palavras gastas. Essas que se proferem, vezes sem conta, sem que se pense no gosto de saboreá-las. Essas que, de tanto serem ditas sem sentimento, perdem a cor do significado. Gastas pelo abuso único de quererem fazer delas meras muletas linguísticas. Pediam unicamente a denotação primeira. Aplauso na reunião. "Que não se gastem as palavras!", perpassava no auditório.

Fizeram-se ouvir outras palavras... interditas, populares, insurgentes, esquecidas, amadas, odiadas, vivas, vazias, correntes, cuidadas...

Quase no final do encontro, levantou-se uma palavra diferente. Permanecera calada, no meio dos acalorados discursos. O murmurar que, entretanto, se instaurou, ressumava a admiração de todas as outras. Conheciam-na por resistente. Disse:

Que a deliberação seja uma, apenas. São belas todas as palavras. Procuremos, então, quem com elas estabeleça uma relação de amor ingente, quem as pronuncie com paixão, quem as procure nos recônditos cantos desta casa da língua, quem as reorganize em efeitos conotativos, quem as crie em renovação constante... quem as saiba usar no quebrar do silêncio.

E nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a reunião.

No início de um novo ano, as palavras regressaram, em arestas aladas de esperança, para a voz de quem as ama.