[Luís]
Esperou, calmamente, que o público abandonasse a plateia. Na sala vazia, desligou, um a um, os cansados projectores. E sentou-se no meio do palco, abraçada pela escuridão. Fora a última representação de uma peça difícil de pôr em cena. A sua.
Nunca fora dada a despedidas. Pronunciar um "adeus" sempre lhe soara a renúncia, a desistência... palavras que há muito retirara do seu vocabulário. No entanto, sabia que o tempo não perdoa, incansável na sua voragem de passar... só por passar.
Era, então, tempo de terminar. Não faria analepses sobre os ensaios plenos de sentires, nem guardaria memória dos intervalos que lhe aligeiraram a alma. Muito menos deixaria vogar no seu pensamento, em prolepses desnecessárias, pedidos ritmados pelas dozes badaladas, ou desejos embebidos em champanhe. Concluiria, apenas.
Levantou-se e, no centro do palco, lembrou a "deixa" repetida à exaustão: ano novo, vida nova. Sorriu, por contrariar a sabedoria popular... não queria uma nova vida! Amava a sua. Quanto ao ano novo, seria, unicamente, mais um ano... Na escada da sua existência, 365 degraus a subir. Sem receio de tropeçar... Avançaria com a certeza de que, sempre que fosse imprescindível, representaria esse papel, que conhecia de cor, de resistente corrimão.
Fechou o pano e saiu.
[... que o vosso ano seja tudo o que desejarem...]