[Graça]
Existem dias, no meu sereno "palco", que mais parecem versos escandidos, em métrica infinita. O meu dia, que agora termina, foi, sem dúvida, um poema.
A manhã trouxe os meus lindinhos ávidos da continuação dessa narrativa, quase lírica, que é "O Conto da Ilha Desconhecida", de Saramago. Tínhamos iniciado a leitura na aula anterior... o texto é difícil. A professora facilita: lê para eles. A cada paragem, soltavam-se as perguntas, na intenção de descobrir o que se esconde "por detrás das palavras". Simbólico, o conto. Parámos numa das frases, "Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar". Partimos, então, para o desbravar do pensamento. E lá foram saindo as primeiras tentativas de definir o "gostar", de aclarar a "posse". As ideias, defendidas acerrimamente pelos meus jovens, vestiram-se de estrofe de rima solta.
Ao fim de noventa minutos de Língua Portuguesa, passámos para o Estudo Acompanhado. E o poema ganhou forma. Literalmente. Produção escrita de um texto colectivo. Um poema. Gostam desta actividade, que vai nascendo, palavra a palavra, com a colaboração de todos, no ainda quadro negro. Desta vez, propus que escrevessem um texto poético, a partir de um verso de Eugénio de Andrade. "Dai-me outro Verão nem que seja" - escrevi no quadro. O silêncio, que surgiu, antecipava a dificuldade da aula, mas rapidamente se embrenharam na tarefa e lá íamos registando pequenos pedaços poéticos, que em nada envergonhariam o original... Depois de muita discussão, de muito escrever e apagar, decidiram que o texto falaria das quatro estações, num campo semântico negativo, até chegar à Primavera, última estrofe de esperança. Registo, unicamente, o início de cada estrofe-estação: "Dai-me outro Verão nem que seja/o traço de um amargo perfume"; "Dai-me esse Outono incerto/ainda que mar de constantes penas"; "Dai-me outro Inverno nem que seja/o veneno de uma promessa quebrada"; "Não! Dai-me antes a Primavera/onde quero voltar a entrar". Talvez, noutro ensaio, caiba todo o poema.
O meu dia continuou pleno de sentimento lírico, no cair da tarde, ao ler as palavras simples que alguém me deixara: "Na placidez dos dias, o meu olhar demora-se em ti, feliz como uma véspera!".
Chegou a noite. Lisboa. Coliseu. La Traviata. Já por aqui partilhei o quanto gosto de ópera, desta em particular... o meu dia terminou com essa história cantada de um amor impossível. Abandonei, por momentos, o "palco" habitual, refugiei-me, finalmente, na plateia e deixei que a música de Verdi fosse poesia para os meus ouvidos.
Bom fim de semana!