Hoje, era o primeiro ensaio, após as férias. Sabia que os meus "aprendizes do fingir" enfrentariam o ar gélido da manhã, com a avidez natural de quem, por fim, pode segurar as folhas mágicas de uma peça escrita propositadamente para eles. Eu sabia. Eles é que nem imaginavam que o ensaio se apresentaria diferente.
Na véspera, fora contactada por uma jornalista. Alguém que gostaria de conhecer o meu Clube de Teatro e, se possível, falar com os meus jovens actores.
Recebi a senhora na Sala Gil Vicente. Primeiro comentário de espanto: "Mas isto é mesmo uma sala de teatro!" Sorri. O palco existe, sim... a plateia lá está, vazia é certo, mas ainda ressumando o calor de tantas vezes repleta... o pano abre, no orgulho da sua cor vermelha, já cansado de mais de dez anos de aberturas, umas envergonhadas, outras ansiosas, e todas, todas vestidas de alegria. O espaço de tantas representações!
A conversa prévia, comigo, fluiu ao sabor de uma torrente de perguntas... as memórias inscritas naquele espaço avivaram-se... em segundos, revivi os momentos inesquecíveis de centenas e centenas de alunos que já subiram àquele palco... tantas vezes, arrancando gargalhadas de uma plateia sempre desconfiada... provocando a lágrima envergonhada... ou, simplesmente, merecendo o estrondo de um aplauso sentido. Lembrei os meus queridos colegas... outros encenadores do mesmo espaço, de outros jovens... senti-lhes a dedicação, a igualdade neste amor, tão nosso, pela arte da representação.
No meio desta conversa, começaram a entrar os meus "lindinhos". Primeiro, com o acanhamento de quem não conhece; depois, rapidamente, assumindo o papel de entrevistados, com o mesmo à-vontade com que encaram o palco verdadeiro. A jornalista fazia perguntas e espantava-se com as respostas. Não esperava a seriedade com que se falava de teatro, a maturidade assumida ao explicar os sentimentos vivenciados, antes de uma representação...as certezas de quem reconhece que, pisar um palco, modifica a vida. Limitei-me a ouvir. Orgulhosamente, ouvi os meus "aprendizes" falar desta experiência única, que partilham comigo.
Já nas despedidas, à porta, um deles perguntou à jornalista: "Isto vai mesmo ser publicado?".
A pergunta aqueceu o meu dia. Mesmo que não saísse no jornal, o ensaio tinha valido a pena. Entre as paredes da Sala Gil Vicente, repartiram, com uma estranha, os seus sentires teatrais, sem fingimento.
A jornalista riu. "Na próxima edição."