Ensaio sobre férias...

(foto de GMV)

Férias são descanso. O momento de repouso, de afastamento do que nos enche a maior parte dos dias do ano. Oficialmente, estou de férias há dois dias, mas, por conveniência de serviço (ah expressão majestosa!), continuo a trabalhar! Eu e mais três almas magníficas dadas a uma boa conveniência.

Quando era miúda, as férias começavam a ser faladas lá por casa, por alturas de Maio. À noite, ao colo do pai, assistia ao desdobrar do mapa, ao marcar de percursos, com uma bic azul. Os meus queridos pais sempre foram apologistas de viajar. Pegavam nas suas duas meninas (porque a terceira veio muito mais tarde) e percorriam quilómetros por este nosso lindo país, ou pelo outro com quem fazemos fronteira. Avião nem pensar, o meu pai tinha, e tem, um medo atroz. Desses tempos, recordo a tristeza com que abandonava a minha cidade, pela Avenida Gago Coutinho, direitos a uns poucos quilómetros de auto-estrada que acabavam em Vila Franca de Xira. Depois, era estrada e mais estrada, curva e mais curva, cidade após cidade, igrejas, monumentos, jardins, pousadas, hotéis, quartos alugados, pensões, estradas, vilas, aldeias, serras, rios, planícies, praias... até que chegava finalmente o momento de ir à Terra.

Sempre gostei da expressão "Vamos para a terra." Ouvi-la era a minha verdadeira alegria. Minho. Não a minha terra, porque nasci em Lisboa, mas a Terra, com maiúscula, porque sempre um paraíso de emoções.

Ao longo dos anos, as minhas férias sofreram grandes mudanças, até porque deixei de as fazer com os meus pais. Mas sempre guardei, devotamente, uns dias que fossem para ir à terra.

Neste momento, estou contando as horas para partir. Falta-me o cheiro da terra, o negro do céu desenhado de estrelas, o verde escuro dos pinheiros, os milheirais dançando ao vento, o rio Coura cantando alegremente, o fogo de artifício cortando o silêncio da meia-noite... faltam-me esses dias de campo... de monte.

Os outros dias, depois pensarei nisso. Não gosto muito de planos, gosto de andar ao sabor da minha vontade.

Neste palco da vida, que é a minha, a Encenadora vai descansar. Voltarei cheia de personagens e papéis, pronta para uma nova peça.

Boas férias à plateia que resiste às minhas humildes representações.

Ensaio sobre gostos...


Hoje, durante os momentos dedicados a alimentar o físico, surgiu uma conversa interessante. Gostos. Claro que não sobre o sentido que nos permite distinguir o sabor das coisas. "Gosto" no seu sentido mais figurado, daquilo que nos dá prazer. "Gostos não se discutem", ou não se deviam discutir, quando se reúnem pessoas dadas a uma boa discussão. Foi o que fizemos, ao longo do almoço.

Do Teatro ao Cinema, da Literatura à Música, tudo foi abordado de forma ligeira, mas séria, entre uma garfada e outra. Curiosa foi mesmo a reacção que se instalou nos meus companheiros de repasto, quando apresentei os meus gostos.

O ensaio podia versar sobre o preconceito, esse conceito que se forma sem fundamento e por antecipação. Clarifico... ao falar sobre os meus gostos, fui ouvindo comentários do género "Não me digas!", "Tu? Estás a brincar...", ou tão somente uma boca que não se fecha e prolonga o advérbio de negação "Nãaaaooooo!".

Tenho de reconhecer que deve ser difícil perceber o díspar que me dá prazer, os pólos que alimentam o meu sentir. Do cinema francês pouco conhecido, pouco visto pelas salas do King, às americanadas protogonizadas por Johnny Depp (qualquer uma, se com ele); da "La Traviata" de Verdi (chorei, quando vi ao vivo) à "Scorpion Flower" dos Moonspell (foi aqui que alguns queixos quase caíram... sou metaleira, sim); do "Waiting for Godot" do grande Beckett, às produções musicais de La Féria; de Dostoievsky, no seu O Jogador, à quase desconhecida norte-americana Lois Lowry, com o magistral O Guardião de Memórias (fiz a apologia do livro, quase que aposto que vão procurar). Abreviando, já no café, acabei a falar do quanto gosto de pintura! Sim, pintura. "Mas pintura como?" perguntou alguém. Lembrei-me então da pergunta do outro dia. Não sei porque gosto de pintura, não domino conceitos, nem estilos pictóricos. Gosto, pronto. Sou capaz de me espantar em frente a uma obra de um pintor e voltar rapidamente à idade em que se quer respostas para tudo. Como se faz? Como se conseguem aqueles efeitos de cor? Como é que um pincel, passado a toque na palete, cria a sensação do real? Há uns tempos atrás, fiz estas mesmas perguntas a quem me acompanhava no Rijksmuseum, em Amesterdão. A obra era famosa (que emoção por estar a um passo dela!), De Nachtwacht, de Rembrandt. A resposta veio rápida "Estás maluca?".

Não estou não. Tenho os meus gostos. Não discuto os dos outros. Respeito-os, enfim. Os meus são estranhos porquê?

O almoço acabou. Voltámos para o meio dos papéis e desculpem, mas esqueci-me de dizer que gosto mesmo de computadores!
(Foto retirada da net)

Ensaio sobre a criação...

(foto de GMV)

Um dia destes, no meio de uma conversa sobre teatro, alguém perguntou: "Mas afinal como é que escreves uma peça?"

A minha resposta foi quase automática, imbuída da ironia que tanto gosto, "Escrevendo...". Claro que a pessoa não desistiu, a curiosidade era genuína, mesclada de admiração. "Como é que se inventa uma história? Pensas em quê primeiro?"

Não sei! Seria a resposta mais correcta. Não sei! Nunca pensei nesse acto de criação como algo explicável. Acontece. Do nada. Uma vezes, nasce primeiro o título... outras imagino antes as personagens... frequentemente invento, por antecipação, diálogos, ainda sem personagens... algumas vezes só visualizo gestos... é difícil exprimir o que ocorre no meu pensamento, quando um texto dramático começa a dar os primeiros sinais de vida.

O mais curioso é que sempre tive essa mesma dúvida em relação aos escritores que admiro. Principalmente os poetas. Como se cria um poema? Pensa-se em quê primeiro? É sentido o que se escreve? Ou meramente inventado, com o dicionário sempre pronto à ajuda?

Estou, neste momento, esboçando a minha próxima peça. Uma espécie de parto provocado. Não escrevo. Concebo-a, ainda só no mundo das ideias (gosto de Platão!). Na ausência do sono, recrio cenários, pinto trajos, sugiro movimentações em palco. Só mais tarde pegarei no meu caderno e, com a minha caneta de tinta preta, iniciarei o texto, ordenando as palavras em falas e didascálias. O título, por enquanto, é provisório, as personagens ainda sem a vestimenta dos meus adoráveis actores dos Trinta por Uma Linha. Sei, como sempre acontece, que vou gostar de partilhar as minhas ideias com aqueles que as transformam em momentos únicos. Sou apologista dessa troca, reconheço que o sucesso será garantido, se cada um dos meus actores se sentir bem no papel que eu inventei.

Afinal, como se escreve uma peça? Ora, escrevendo...

Ensaio sobre o futuro...



O dia foi abrasador. Principalmente para quem o passou, como eu, encafuada numa sala da Escola, entre papéis e mais papéis, dossiês e mais dossiês, computadores, lápis, borrachas, decretos e despachos, sem esquecer as últimas portarias! A tarefa ingrata de distribuir serviço, de perspectivar horários, de condensar a vida dos professores numa tabela cheia de colunas e linhas.

Ao chegar a casa, a vontade de fazer qualquer coisa aproveitável era nenhuma. À distância de um telefonema, combinei a saída. Desejava a noite, com a sua brisa reparadora, com a sua cor que não ofusca, com a companhia perfeita.

Junto ao rio, o descanso ganhou sabores de conversa, sons de bebida fresca.

O meu companheiro é dado a uma boa cavaqueira, de preferência raiada de contornos filosóficos. E rapidamente chegámos ao âmago da questão: e o fututo?

Não sou pelo futuro, aliás, quando, no meio de uma aula, é premente explicar o tempo, aos meus lindinhos, transformo o futuro num automático presente. É difícil tornar inteligível a noção do tempo. Um presente que logo deixou de o ser, porque já passado... um futuro que nunca o será, porque sempre presente...

Não gosto de pensar no fututo. Sou pela vivência de cada dia, como se fosse o único. Não gosto de pensar o amanhã. Sou pelo agora, se possível já. Talvez por isso planificar seja um trabalho penoso. Como marcar algo para daqui a uns dias? Como dar por adquirido que se quer ir? Que a disposição se mantém? Que não surgiu algo mais importante para fazer?

Não gosto de longo prazo. Sou pela validade diária, sem corantes, nem conservantes. Fui interrompida pela pergunta incrédula: Estás bem? Claro que estou bem, só manifesto o meu pensar confuso, porque sou assim. A noite estava agradável, o rio escuro espelhava o céu, com poucas estrelas visíveis, por ser um céu de cidade. Ah, que saudades do céu do meu monte, ponteado de pequenas luzes...

Entre uma bebida e uma gargalhada, lá continuou a conversa sobre o porvir. Argumentei, clarifiquei, pedi explicações... nada me convenceu. O futuro não existe. O meu tempo é sempre presente. Tenho de acompanhar o meu tempo, tenho de o sentir passar, tenho de gastá-lo. E isso, meu amigo, só é possível no agora...sempre agora, sempre presente.

E amanhã o que fazes? (já na despedida) Amanhã, quando for hoje, te direi.

Agora, vou dormir!

Despedidas breves...

(foto de Vasco)

Ontem, no meu momento de encontro comigo, não fui escrever... fui ler! É para lá que volto sempre que algo não flui como desejado. Em cada palavra lida, egoisticamente penso que escrita para mim. Pretensão bacoca, bem sei. Quem escreve não pensa em quem lê! A escrita é egocêntrica. Mas não resisto. Aquelas palavras podiam muito bem ter sido escritas para mim.

Refugiei-me nos meus Poetas de eleição. António Nobre, Fernando Pessoa. De um retenho a simplicidade da dor feita poema, de outro a complexidade de uma razão em busca da felicidade. Em tempos ensinaram-me que o sentido das palavras do Poeta é o que, naquele momento, o leitor lhe dá. Em cada palavra residem mil outras palavras...

Ontem, no momento em que uma breve sombra tapou o meu sol, fugi para as palavras dos outros, silenciosamente criando mil significações diferentes. Todas para mim. De António Nobre, o saudosismo de um passado feliz, porque ignorante. De Pessoa, o interseccionismo de sentimentos futuros, porque desejados.

Fui ler. Fui ser leitora. Atenta. Crítica. Consciente. Fui ler poesia. "Quanto mais poético, mais verdadeiro." Procurei a minha verdade na poesia de outros.

Por isso, por tanto ter lido ontem, vou descansar da escrita. Serão despedidas breves, bem sei. Mas, neste momento, quero alimentar-me das palavras dos outros.



" Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser..."

Álvaro de Campos


Ensaio sobre nada...


Diz o meu dicionário que a palavra em causa significa a não existência, coisa nenhuma, ninharia, inutilidade...

Retenho a última, porque me agrada. Inutilidade. Não sei porquê, ou sabendo claramente, este meu blogue, hoje, extravasa a inutilidade. Criei-o num momento em que me parecia positivo ter um espaço para guardar tantas palavras que não cabem em mim. Não era suposto ser encontrado. Era um eu que se queria escondido, recatado, num infindável mundo virtual. No entanto, o meu desejo rapidamente se contrariou. Por amizade, bem sei. Acontece que o meu espaço já não condiz com os fundamentos da sua criação.

No dia que é hoje, necessitava de estar comigo, passar-me a mão na cabeça, animar-me nas palavras que tão bem sei usar, fazer um ensaio sobre tudo... mas resigno-me à inutilidade, ao nada, à coisa nenhuma. O ser pública, hoje, só porque é hoje, incomoda-me. Vou, por isso, pegar no meu caderno e escrever, escrever-me...

Amanhã estarei melhor!

Ensaio racional...

(foto de GMV)

Neste momento do ano, e na ausência do verdadeiro alimento de quem é professor, os dias preenchem-se com papéis, reuniões, papéis, exames, papéis, relatórios, inventários, e claro, papéis.

Nos intervalos roubados à vontade de quem manda, fica o espaço para o diálogo. Sobeja tempo para grandes almoços, onde as conversas não se afastam dos assuntos escolares. Sobra o espaço também para o lanche, para os caracóis molhados de cerveja, para os cafés que nunca se rejeitam. E o "palavreado" flui ao sabor dos argumentos. Esgrimam-se ideias, defendem-se posições, exige-se razão... Tenho, ou não tenho, razão?

Verdadeiramente, queria chegar aqui. Sou acérrima defensora dos meus ideais, com tenacidade exponho as minhas ideias, mas...

Hoje, num momento de encontro comigo, numa discussão silenciosa que surgiu no meu pensamento, tentei o exercício do racional. Despi emoções, sentires, opiniões, e, na nudez da razão, tentei compreender.

O silogismo parecia perfeito, senão vejamos. Vivo numa sociedade de direito (?) onde considero que o tenho. Direito de expressar a minha opinião, de fazer valer a minha vontade.

No calor da discussão, não gosto de ser contrariada. Então e o outro? Não terá os mesmos direitos? Porque razão a minha razão deverá ser entendida como mais certa do que a do outro? Se a minha opinião deve ser levada em conta, porque tenho esse direito, o que fazer da opinião do outro?

No meio de toda esta retórica infrutífera, consciencializo-me de que, talvez, eu não tenha tanta razão. O impor das minhas ideias não será um acto de ditadura disfarçada de "eu tenho direito"?

Serei ditadora? Quem me deu o direito de negar o direito do outro?

Bom, estou num dilema. Tudo por culpa da peleja que se alojou no meu pensamento.

Racionalmente, gosto mesmo é do dito "O coração tem razões que a própria razão desconhece". Sou coração no falar!

Pelo Teatro...

(foto de GMV)
Sou pela amizade...
...desses laços nascidos pelo amor ao Teatro, dessa convivência saudável de actores, dessa afeição sem idades, dessa camaradagem feita de "deixas", desse partilhar de gargalhadas, dessas memórias que exigem futuro, desses papéis não inventados pela Encenadora que sou eu.
Hoje, juntámo-nos noutro palco. Este palco natural. Foi dia de piquenique. Da cidade, para o longe, montámos o banquete. Sim, porque até nestes momentos o exagero teatral é intrínseco. Quase trinta, com repasto para cinquenta.
Sou pela amizade que hoje sorriu, neste convívio anual dos Trinta Por Uma Linha.
Obrigada.

Pelo silêncio...

(foto de GMV)
Sou pelo silêncio...
...quando o cansaço dita regras, quando não se conhece o interlocutor, quando a razão se perde, quando o sentimento sufoca, quando a beleza da Natureza se impõe, quando as palavras são desnecessárias porque em demasia, quando os sons articulados se mostram vazios de sentido, quando é premente ouvir o outro, quando é primordial a introspecção, quando no palco se desenrola a peça, quando se quer passar despercebido, quando a música reina, quando é melhor não dizer nada, quando se força o sono para que o sonho aconteça, quando abro a janela e quero ouvir o Universo.
Sou pelo silêncio que se esconde em mim.

Pelo olhar...


Sou pelo olhar...

...que não se priva da claridade do palco, que observa, que se impõe, que não desvia, que sorri, que se abre na interrogação, que brilha pelo sentimento, que fala no silêncio, que verte emoções, que ri, que examina, que cala, que reflecte a doçura de outro olhar, que devolve a dureza, que disfarça a dor, que acumula vivências, que sorri, que ri, que encara, que não receia, que sorri, que transporta à memória imagens irrepetíveis, que ri, que fita os dias claros, que contempla a escuridão da noite, que não mente, que sorri, que procura na personagem o verdadeiro actor...

Sou por esta minha forma de olhar!

Pela partilha...

(foto de GMV)


Sou pela partilha...

...de ideias, de opiniões, de sentires, de reflexões, de conhecimentos, de filosofias, de grelhas, de lamentos, de planificações, de conteúdos, de instrumentos, de ideais, de amores à Língua Portuguesa...
Mas já percebi que a partilha é difícil. Que nem sempre as pessoas estão disponíveis para o fazer. Suponho que por receio de não terem grande contribuição a dar.

Foi um pequeno desabafo, que resolvi partilhar!