Ensaio pela saudade [imensa... de ti!]




Amanheci no recordar de dias felizes. Quase toquei a tua voz doce, quando me chamavas da cozinha, pintada do cheiro de café acabado de fazer: 'Gracinha? Onde estás?'... nunca ninguém disse, como tu, o meu nome... cada sílaba ressumava um carinho imenso, que eu te devolvia, num sorriso que gravaste para sempre no meu olhar. Nesses dias, colocava a minha cabeça no teu colo e deixava que as tuas mão meigas passeassem nos meus rebeldes caracóis, enquanto me falavas da vida. 
Contigo, aprendi que devemos perdoar, que devemos dar [-nos] sem receio, que devemos apregoar o nosso gostar, sem peias de vergonha... na tua voz cantada, lembrando a pacatez da imensa planície alentejana, quiseste ensinar-me o que é gostar. Falaste-me da ternura respirada, inconscientemente; dos afectos plantados em vasos coloridos, que espalhavas pela casa; das mãos cruzadas num desejo de calor tatuado na pele... 
Ah, minha Deusa Artemiza, minha saudosa Avó... hoje, amanheci na falta do teu colo. Queria dizer-te, baixinho, para que não te zangasses comigo, que tentei seguir a tua lição... no entanto, a vida ensinou-me que me poupaste ao verso da medalha! Não me explicaste que, por vezes, respiramos a solidão, que as plantas só dão flor se forem regadas com palavras de sentir, que as mãos também mentem... e que o mundo, lá fora, não é poesia.
Hoje, amanheci num desejo veemente de arrancar o meu coração e enviar-to, [para o panteão dos dias felizes], onde vives a eternidade de seres, para que cuidasses dele, resguardado nessas tuas mãos que sempre me falaram de amor...
'Gracinha? Onde estás?'
Aqui, minha Deusa das verdades felizes... pronta para beber o café!