Ensaio pelo esquecimento...

[Helena Nabais]


Lembrar-te-ás do meu nome, quando as últimas neves narcisistas derreterem na velhice da serra? Quando os arroios cristalinos e irreverentes se transformarem em rios sedentos de margens seguras? Quando observares o voo rasgado da águia, cansada de tanta sabedoria, no acumular das presas? Lembrar-te-ás do meu nome, quando o sol, num ocaso premeditado, te apagar da memória as asas de um sonho solitário?

Saberás ainda o caminho que te tracei, num cântico suave e doce, sussurrado pela brisa matinal? Conseguirás vislumbrar, no escuro firmamento, a Cassiopeia de desejos boreais que desenhei para ti? Compreenderás que eu não sombreio paredes frias de promessas vãs e anseio danças de verdade, na caruma dos pinhais?

Lembrar-te-ás do meu nome, quando as palavras se despirem de todas as tentativas falhadas? E todos os poemas gritarem o tédio?

Quando as flores obstinadas da Primavera cobrirem toda a montanha, saberás que em cada uma deixei, esquecidas, todas as lembranças de ti.

Ensaio?... [porque me apeteceu]





Chegarei!


Sei de um lugar longínquo
onde os dias renascem,
dissipando a espuma das noites,
no rebentar do sonho.


Sobre os trilhos sinuosos da floresta,

dançam silfos desenhados no ar.

Cingem regatos bem-aventurados,

num desejo veemente

que anticipa o eterno reencontro.


Cruzarei o fogo encantado,

chama viva de sentimentos por escrever...

Devorarei todas as cinzas da teimosa Fénix,

para que as palavras se renovem

à minha chegada.


Irei!


Espera-me no lugar de sempre!
Onde a poesia nos protegerá
do esquecimento dos deuses.

Ensaio quebrado...

[Luís]


"Professora, a vida é encadeada?"

Andamos, pelo palco escolar, à volta do texto narrativo. Mais do que depositar conceitos de teoria literária, nos meus lindinhos, gosto que reflictam sobre os textos, que reconheçam o efeito e o poder das palavras, que deduzam sentidos, que desfaçam ambiguidades, que recriem imagens a partir do que lêem. No entanto, a teoria é dada e, sempre que possível, posta ao serviço de uma boa troca de ideias.

Ora, na última aula, trabalhávamos um texto de José Rodrigues Miguéis e, a propósito da organização da narrativa, o meu lindinho lançou, num imenso sorriso, a pergunta. Sorri, também. Gosto que os meus alunos coloquem perguntas pertinentes. E ensaiei a resposta...

Em segundos, a imagem de uma corrente consistente ocupou a minha mente. Cada aro, um momento de vida, unido a um outro, numa sequência difícil de interromper. Laços de metal, quase inquebráveis... quase! Porque, por vezes, dava vontade de partir o grilhão, retirar os elos que enferrujaram e tornar a compor, como se nunca tivesse sido interrompido. Vontade, apenas. Impossível, tão-somente. A vida é encadeada, como a estrutura do conto em análise. Narrativa aberta, na ânsia de que um novo elemento da corrente faça esquecer os que 'enfeiam' o cordão. Breves segundos, para calar os meus pensamentos e devolver a pergunta à turma.

Assim, passámos o resto da aula, discorrendo sobre a vida e os momentos que cada um gostaria de retirar da sua corrente.

Longe dos propósitos de um Ministério burocrático, para quem seria difícil perceber o não cumprimento de um plano de aula. A minha.