Intervalo [até...]

[Luís]


[... mas volto.]

Ensaio pela alegoria...

[Luís]


Naquele dia, rompeu os passos pelos caminhos áridos da saudade, dedilhou as cordas desiguais de uma harpa-de-sentires esculpida no vento, comprimiu os afectos entre as margens de um coração cansado e, no meio de um devaneio onírico, decidiu fazer-lhe um poema.

Pegou na palavra "muralha", que se erguia entre os dois, e reescreveu-a em minúsculas doces: "pequena brecha"... a expressão revoltou-se, por ser pouco poética, por ser de difícil rima, por não se pretender agrilhoada em métricas-gaiolas de escansão.

Procurou grafar a "distância" no papel branco, mas fugidia e arrogante, a palavra recusou a metáfora do "não há longe". Queria manter a sua medida de afastamento consciente, não aceitaria qualquer figuração linguística.

Agarrou, então, na palavra "silêncio"... quis transformá-la numa simples perífrase dos sentimentos rabiscados na sua interioridade. Insurgiu-se a dita palavra, que não pretendia ser derrotada pela aragem breve dos dias, que se desejava denotada de mutismo, claro e sintético.

Naquele dia, pousou a caneta e desistiu do poema. Rasgou a folha em branco e lançou-a ao vento... em cada pedaço de papel viu desvanecer-se, letra a letra, a saudade... num voo sem volta.

18 de Junho de 2010

[Luís]


Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

[José Saramago]

_____________ porque os escritores não morrem e os poetas enraízam verdades intemporais.

13 de Junho de 1888...

[Luís]

Tacteia-se o aroma a manjerico; saboreia-se o cantar desafinado da marcha popular; e ouve-se, toda a noite, o apetite voraz da sardinha assada. Dia de Santo António?

Dia do meu Poeta. Sempre.


Passam na rua os cortejos
Das pessoas existentes.
Algumas vão ter ensejos,
Outras vão mudar de fato,
E outras são inteligentes.

Não conheço ali ninguém.
Nem a mim eu me conheço.
Olho-os sem nenhum desdém.
Também vou mudar de fato.
Também vivo e também esqueço.

Passam na rua comigo,
E eu e eles somos nós.
Todos temos um abrigo,
Todos mudamos de fato,
Ai, mas somos nus a sós.

[Fernando Pessoa]

Ensaio pela despedida...

[Graça]


Hoje, queria escrever uma peça de despedida, ensaiar o fim, num sair de cena nostálgico, vestir as personagens com acenos disfarçadamente sentidos. Dar as "deixas" em palavras de adeus, repetidas, no silêncio, até à exaustão. E fechar o pano, no cair de uma lágrima furtiva.

Hoje, queria escrever sobre a última aula de Língua Portuguesa que os meus lindinhos me ofereceram, num palco escolar que partilhámos durante três anos. Queria saber grafar o brilho de um olhar, o calor de um sorriso, o carinho de um discurso espontâneo... Um a um, os meus alunos falaram desta caminhada pelos trilhos da língua... do início incerto e confuso; da persistência em encontrar direcções; dos passos, cada vez mais seguros, que fizeram encurtar as distâncias... Um a um, os meus lindinhos entregaram-me um poema de despedida... 'porque a Professora adora poesia', 'porque a Professora nos fez gostar de poesia'...

Hoje, queria escrever noventa minutos de emoção, no entanto, os meus dedos resistem, num mutismo premeditado, crentes que há momentos que não se escrevem... guardam-se no coração.

No final, pedi aos meus meninos que seguissem o seu caminho, que respeitassem sempre a sua língua, que fizessem das palavras a sua primeira arma, no enfrentar das dificuldades da vida, que fossem felizes, enfim...

E sorri, quando um dos meus alunos, para aligeirar o momento, finalizou a aula, do alto do seu metro e oitenta: "Professora, ao longo destes três anos, cresci consigo. Deve ser por isso que, neste momento de despedida, me sinto enorme!" [Obrigada!]


Intervalo [pela criança...]

[Graça]


"[...] Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...[...]"

Talvez fosse criança ainda, quando alguém me deu um livro de poesia... o meu primeiro livro de poesia! Era de Fernando Pessoa. Cresci, lendo o Poeta... e os seus "outros". Álvaro de Campos é o meu preferido.

Hoje, parece que é dia da Criança, mais um dos dias "convencionados"... comemoro-o todos os dias, porque, essa que fui, continua guardada em mim. Tal como o Poeta...