Ensaio por um livro [o meu...]

[Graça]


Dá-me um livro de capa telúrica... um livro com título isento de ornatos, nítido, como as águas serenas do meu rio. Dá-me um livro de narrativa autodiegética, inscrita na harmonia do verde desalinhado. Dá-me um livro onde as personagens teçam sentires abraçados pelos frondosos troncos de árvores silenciosas. Dá-me um livro de palavras livres, silabicamente floridas, encantadas pela dança dos sinuosos atalhos. Dá-me um livro de acção encadeada, sem analepses, sem prolepses, onde se respire apenas o beijo doce do vento.

Dá-me um livro... onde, em cada letra-sorriso, me leia.

Ensaio seguro...

[Alexandre]


Há uma rocha que, no desassossego da espuma onde te resguardas, explode em estáticas sombras de um passado agrilhoado no azul do céu. E silhuetas de nuvens intraduzíveis murmuram-te as tréguas ambicionadas.

Há um mar mais próximo que, no clamar de um porvir de onde foges, se entranha no escorrer dos teus olhos salgados, cristalizados, resistentes ao galopar prometido pelo vaivém das ondas. Onde bramidos de sentires nunca gastos te imploram um ancoradouro perene. Irresistentes promessas de um mar tão perto... que persiste em apagar os sulcos penosos que marchetaste nas areias.

E há as palavras que não migram, as minhas, as tuas... palavras que rodeiam os dias de novas semânticas, que renascem na força da maré dos ensaios, que encenam seguras pela fragilidade do palco, que projectam diálogos difusos num foco de esperança, que intervalam certezas...

E há estas palavras que não desistem... que jamais deixarei de espraiar em ti.

Talvez aí [num intervalo]

[Luís]



Talvez um adereço diminuto de uma paisagem impenetrável...
movimentação que agita a cena de um labirinto perdido...
falas-deixas mudas, rendilhadas a verde esperança
personagem diáfana, tecida em hastes sombrias da floresta...

Talvez uma peça escrita na aragem de um poema...
palavras ávidas do que pareço...
enredo por encontrar, na percepção do musgo do poscénio.

Intervalo enraizado de agrestes sinestesias...

E só me reconheço...

[talvez]

Um espreitar [breve]...

[Graça]


Naquele início de noite, todas as personagens, numa revolta consentida, fugiram de uma peça por estrear. Persistente, o encenador observou o palco silencioso, analisou cada detalhe do pobre cenário, concentrou o olhar no vazio da plateia e recolheu do nada o desejo de tudo recriar... em breve, voltaria aos ensaios.
[E as personagens?? Apaziguariam o motim na foz de um rio e desaguariam num mar de palavras.]