Ensaio para uma Deusa...

(foto de Tinta)

Já, por várias vezes, escrevi, neste meu palco, que não gosto de dias convencionados. Nunca compreendi por que razão a sociedade considera premente recordar-me de que há crianças e paz, que há mães e pais, que há sida e diabetes, que há mulheres e Natal, e outros que tais. Todos os dias são somente dias de ser... na coexistência sem convenções.

Hoje, para mim, é dia da saudade. Como o é cada dia, desde o momento em que a minha Avó abandonou o meu palco. A minha Avó tinha nome de Deusa: Artemiza. No Olimpo da minha memória, visualizo a minha Artémis, vagando pela Natureza, envolta numa serena luz... sempre linda, meiga, plena de sentimentos que nenhuma aljava conseguiria guardar.

A minha Avó ensinou-me tanto. Desse tanto-alicerce da minha representação. Ofereceu-me os primeiros livros de encantar, contou-me histórias ditas em tom suave, ao fim da noite, para adormecer. Ensinou-me a ouvir rádio, a cozinhar, a costurar, a cantar os fados de Amália... A minha Avó tinha a mais linda voz que eu já escutei.

Nunca lhe ouvi uma palavra mais alta, ou zangada... tinha sempre um sorriso perfeitamente desenhado nas suas feições doces. Partilhava o seu ser magnificamente. Era Mãe! A Encenadora que qualquer actor almeja.

Um dia, essa doença de nome gélido e estrangeiro (Alzheimer) começou a apagar as memórias da minha Artemiza. Desvaneceu-se a memória de mim, também! Só o seu sorriso permaneceu até ao fim.

A minha Avó não tinha só nome de Deusa. Era uma Deusa.

[No dia que é hoje, a minha Mãe Artemiza cumpriria mais um ano de vida... dessa vida que nenhuma morte apagará em mim.]

Um sorriso para ti, querida Avó, que estarás, sem dúvida, recebendo os aplausos de um Olimpo rendido à tua inesquecível presença.