Ensaio revisitado...

(foto de Tinta)


O ensaio de hoje, neste singelo palco da minha existência, resulta de um triste olhar sobre o mundo... sobre as pessoas que nos rodeiam... sobre as palavras ditas... e também as não ditas.

Um mundo que se apresenta, cada vez mais, repleto de personagens tipo, actores dissimulados, que se querem estrelas frondosas, em estreias eternas, de salas cheias, com aplausos de pé.

O nosso mundo "dramático", porque teatralizado, está carregado desses semi-actores, que se iludem no verde das folhas perenes, na beleza caduca, como diriam os meus alunos. Na vivência insconsciente de que um dia a folha cai. O que restará então?

A nudez dos troncos que somos. Verdadeiramente feios, porque despidos de ornatos falsos. Naturalmente retorcidos, porque preenchidos de memórias. Essencialmente sólidos, porque o depositário da nossa existência.

A verdadeira nudez é a claridade que ofuscará o palco, que projectará laivos de arco-íris no cenário negro, que gritará a sua "deixa" de sabedoria.

Deve ser por isso que "as árvores morrem de pé".

Talvez, um dia, antes de fechar o pano, no final desta minha peça, me possam ver como a árvore que sou, sem a frondosidade das folhas, com os meus ramos retorcidos e sinceramente despida.

17 comentários:

Unknown disse...

Maravilhoso texto...

Todos nós seres humanos deveriamos ter olhos semelhantes aos olhos de Linceu, não para enxergar profundamente, mas para enxergar um lado que somos todos nós...
por que muito além deste eu... de roupas bem passadas e erupções cutâneas existe um garnde ser humano...

Te adoro!!!

o que me vier à real gana disse...

GMV, boa noite!

As folhas caiem... mas nascem outras no lugar!

Aqui escreve, de facto, uma filósofa esteta!

Anónimo disse...

Não só os que aplaudem, mas também os atores costumam confundir ou mesmo esquecer que o próprio ator não é seu personagem, não é nada além de um corpo que dá vida como mãe.
Lindas palavras, criticas muito construtivas e abertas.

isabel mendes ferreira disse...

COMOVIDA!!!!!!





e saio.






_______________Graça....

. intemporal . disse...

No desânimo presente. presente.

Na ausência dos dias breves, de conteúdo breve, de breve folhagem.

Porque tão breves permanecemos.

Porque urge a contemplação plausível, DE DENTRO PARA FORA.

Sem embrulho ou vasilhame.

Nú. Sempre nú. Nú.

E um beijo de boa noite, Graça
_________________________ .

f@ disse...

Sublime este texto…
depois do Outono as árvores mesmo despidas continuam coloridas de uma vida interior o mesmo não acontece com o ser humano quando despido… como se a pele tivesse absorvido o falso brilho das vestes e se tornasse baça e sem corpo…

As árvores brotam a cada Primavera…
E mesmo aquelas que morrem resultam sempre esculturas na natureza ou se transformam em fogo…

Beijinhos das nuvens

Anónimo disse...

Árvore és na verdade da sua nudez, mas árvore na verticalidade da sua condição. Mas árvore! Independentemente da interrupção das suas folhas...

Beijos abraçados

Nilson Barcelli disse...

Já há muito tempo que despes a alma neste palco.
Tenho assistido a todos os ensaios e peça e os meus bravos são uma constante.
Mas há muitos outros palcos, infelizmente, onde tragédias cómicas se desenrolam sem haver meio de conseguirmos interromper a farsa.
Haja saúde...
Beijo de uma boa noite para ti.

Conde Vlad Drakuléa disse...

Sublime e verdadeiro teu texto como sempre! Somos troncos feios mesmo, pesados mesmo... Um planeta de árvores falantes que sempre deixam suas folhas por onde passam... E as tuas são tão perfumadas! Beijos ^^

Heduardo Kiesse disse...

um GRANDE texto - ele é teu, ele é nosso - tem essa capacidade - é PLURAL - quem não se revê nele? pelo menos numa vírgula ou ponto final? gostei, sinceramente minha amiga, gostei!!!!!

- fabuloso e verdadeiro!!


nosso beijo, partilhado!

Unknown disse...

"Antes de fechar o pano", "sinceramente despida": o paradoxo irresolúvel.

Beijo

Emília disse...

Somos essencialmente a arrogância egocêntrica e inconsciente do valor alheio da espécie que, só por váris acasos, é dominante neste Planeta. Mas se muitos são horríveis, outros há que despidos ficam mais lindos ainda... como tu!
O tal beijo
Emília

RENATA CORDEIRO disse...

Tirar a máscara no mundo onde todos a usam, é impossível. Mas tirá-la, quando se vai, é louvável e bonito.
Lindo texto, Graça.
Para não falar que não há nada de novo nos meus contos, há imagens belíssimas no Tristão e Isolda e vc precisa conhecer o meu mais novo Blog, o Gótico:
http://blogrenatagotica.blogspot.com
Eu a espero na hora de sempre.
Continue sendo como é, nos dá alento.
Beijos,
Renata

Anónimo disse...

Talvez um dia? Todos os dias te apresentas na verticalidade do que és, do que te conheço, do que amo em ti. Sempre.

Querida um beijo enraizado

PJB

- Moisés Correia - disse...

Perfeito…

Passei para desejar um óptimo fim-de-semana…

O eterno abraço…

Branca disse...

Graça,

Lindíssimo o teu texto e a imagem de vários tons na beleza difusa do nevoeiro.
Embora já tenha passado pelo teu sítio só hoje me permiti escrever. São tão belas as tuas palavras que não se compedecem com um comentário ligeiro.
Gostei das tuas teatrices, gosto de teatro, tenho uma filha a cursar essa área, mas este mundo de semi-actores como dizes é realmente onde o teatro é mais teatro, o outro feito arte é o que nos alerta para isso mesmo e para a essencialidade das coisas e para a finitude. Tudo seria tão simples se tivessemos essa lucidez que demonstras neste texto, de nos vermos árvores já retorcidas e despidas, mas Graça não me parece que sejam feias, essas árvores que norrem de pé, carregadas de memórias e de troncos nus e densos têm uma beleza muito particular, não a beleza das cores, mas a beleza que os anos e o tempo vão esculpindo.
Beijinho.
Branca

Cassandra disse...

Lindo e comovente texto. Às vezes é triste ter que encarar a realidade humana e suas falsidades constantes e infames.