Por detrás do pano...

(Alma Mater - pintura de Teresa Ribeiro)

Quando o pano fecha, no final de mais uma representação, a vida retoma o seu curso normal. Despem-se roupagens pesadas, lavam-se sorrisos pintados, olha-se o espelho na ânsia que seja devolvido o verdadeiro EU.

Os projectores apagam-se e, no silêncio frio de uma sala vazia, as memórias ganham forma, assumem o papel principal.

Ora bem, o meu pano nem tinha fechado. Encenava mais uma aula, nesse papel que até gosto de Directora de Turma. O monólogo versava a conduta, o comportamento, a atitude individual que prejudica o colectivo. Braço no ar. Desabafo de uma das minhas lindinhas: "A Professora diz isso, porque nunca foi aluna!". A risada geral fê-la corar, na rápida certeza do disparate pronunciado.

A Professora nunca foi aluna? Respondi seriamente: "Tem razão, nunca fui aluna..." E tudo o mais que pensei, não disse. Nunca fui aluna, como quem é aluna agora. Sempre gostei de escola... sempre quis ser Professora. Fui aluna-esponja, de quem almejava reter tudo o que os professores, humildemente, me quisessem transmitir. Na minha memória, num espaço reservado de mim, tenho emoldurados cada um desses seres que foram os meus professores. Desde a primária, até à minha entrada no liceu. A cada contacto, num novo ano, a minha certeza ia crescendo. Queria ser Professora, queria a experiência de que, com cada palavra minha, um conjunto de jovens irrequietos pudesse pintar as páginas em branco do conhecimento. A cada nova disciplina, o meu gosto ia aumentando, o meu horizonte cada vez mais vasto. Cada nome, uma promessa: história, sociologia, antropologia, psicologia, relações públicas, jornalismo, filosofia... toda a humanidade, na expressão das Humanidades. Sempre quis ser Professora, mas, no dia em que a minha querida Professora de Literatura Portuguesa declamou o Manifesto Anti-Dantas, eu soube que seria Professora.

Da Faculdade, dessa vivência única na década de 80, guardo todos os nomes... tive sorte, eu sei... fui aluna de grandes Professores, grandes escritores, enormes registos de vida. David Mourão Ferreira, João Ferreira Duarte, Joaquim Manuel Magalhães, Mário Dionísio... todos homens, todos poetas... das Professoras, ficou, num lugar especial, Margarida Vieira Mendes, a cultura personificada.

"Tem razão, nunca fui aluna... sou uma eterna aluna!". Sempre quis ser Professora, para que a aluna que há em mim fizesse uma constante demanda pela "Alma Mater" da minha condição.

Hoje, sou Professora. E, por detrás do pano, recuso-me a despir o meu papel!

13 comentários:

RENATA CORDEIRO disse...

Querida Graça:
Já publiquei o Soneto II de Shakespeare. Publicarei um por dia. Vá lá, caso contrário ficará desatualizado.
Um abraço,
Renata
PS: Desculpe-me por não comentar hoje, é que não estou bem

osbandalhos disse...

Para sermos considerados bons, por detrás do pano, não basta que só nós achemos. Mais alguém tem que achar.

O Profeta disse...

A Professora nunca foi aluna?!Na vida tal como no palco...


Doce beijo

Nilson Barcelli disse...

Um professor que se sente aluno só pode ser um bom professor.
É o que eu digo, acho que vou mesmo matricular-me nas tuas aulas...
Beijinhos.

Anónimo disse...

Minha amiga,
revivi alguns desses momentos da Faculdade de Letras, outros tempos. Não dispas o teu papel. Sê essa professora.

Bjos
PJB

Anónimo disse...

E de todo o teu magnífico texto, adjectico que "aprendi" contigo, veio-me à memória passos, nomes, ecos, espaços que percorri no percurso que há muito iniciei e acabará no mesmo dia que eu...

Depois de te ler, ficou-me a metáfora do palco, do teatro, do fingimento, da máscara, do gurda-roupa... e, enquanto uns actores optam por plumas e lantejoulas, eu sinto-me cada vez mais despida. Resta-me a minha "Alma Mater"... por enquanto.

RENATA CORDEIRO disse...

Estamos em constante aprendizado, portanto, somos sempre alunos, mesmo os que se arrogam serem única e exlusivamente "mestres".
Graça:
Postei o Soneto III e um excerto da Cena do Balcão de Romeu e Julieta de Shakespeare. Vou postar todos os dias. Mas não vou chamar as pessoas todos os dias porque é muito cansativo. Basta ir lá e achará sempre algo de novo.
Um abraço,
Renata

São disse...

Todos continuamos a aprender.


Gostaria que fosse ao "Opiniões" para saber o que pensa sobre a Reflexão lá proposta.

Tudo de bom.

Alê Periard disse...

Realmente nunca deixamos de ser alunos.

No que se diz no lado profissional precisamos sempre nos qualificar e reciclar. Qaunto a vida pessoal, aprendemos a cada dia, com pessoas e experiência.

Aprendemos com a escrita do outro, e posso dizer que aprendi com você.

Beijos.

Blog linkado.

RENATA CORDEIRO disse...

Querida amiga:
Já publiquei o Soneto Iv e algo sobre a ópera Romeu e Julieta de Charles Gounod. Espero por você.
Beijos,
Renata

RENATA CORDEIRO disse...

Você pode pegar quantas traduções quiser, Graça, não precisa nem pedir. Quanto à ópera, há uma gravação em Dvd, não ópera em palco, acho que foi filmada em Verona mesmo com o Roberto Alagna e a Angela Gheorghiu (sei lá se é assim que se escreve). Vale a pena.
Beijos,
Renata

Anónimo disse...

Passo para te deixar um beijo, Professora. Bom fim de semama.

PJB

RENATA CORDEIRO disse...

Amiga:
Estou péssima hoje porque, por minha causa, uma pessoa de que gosto muito foi hospitalizada. Postei o soento V, comecei a publicar o ABC dos sonetos e uma canção para essa pessoa.
Passe poe lá.
Beijos,
Renata