Ensaio sobre "nós"...

(Ηχώ και Νάρκισσος - Eco e Narciso - de Carlo Rochas)

Uma representação teatral será sempre mais rica, quanto maior for o tempo dedicado à complexidade das relações humanas. Desde as grandes tragédias gregas, às densas peças de Shakespeare, que uma boa peripécia passa por essa luta constante entre "um" e "outro". Leia-se homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher. Relações humanas. Muitas vezes, nessas peças de cinco actos, o verdadeiro clímax surgia com o eterno desencontro, ou com o efémero encontro. Teatro, já se vê!

E no palco improvisado desta nossa existência? Provavelmente, a asserção devia ser a mesma.

Peguemos num exemplo mitificado de uma relação que, sendo produto de uma criativa ficção helénica, podia muito bem ilustrar algumas "cenas" na peça real. Eco e Narciso. O mito é simples. Narciso, dono de uma beleza incomparável, arrastava paixões. Eco, ninfa há muito castigada por ser "tagarela", apaixonou-se pelo dito. Perseguia-o por todo o lado, mas incapaz de comunicar com ele. Ele ignorava-a, ostentando com segurança a sua beleza. Eco perdeu a vontade de viver, até que se transformou numa rocha. As outras ninfas pediram castigo exemplar para o elemento masculino. Assim foi. Castigado a ter um amor impossível. Um dia viu a sua imagem reflectida num rio e apaixonou-se por ela. Nunca mais conseguiu tirar os olhos da sua imagem, até que definhou e morreu.

Os gregos eram espantosos! Tanta conversa para chegar à brilhante conclusão que, por vezes, as relações humanas são autênticos desencontros. Eu acrescentaria, se me é permitido, que o grande problema reside na dificuldade que as pessoas têm de dizer "nós". Vive-se, narcisicamente, na sociedade do "eu". O ser humano isola-se, por opção egoísta, em si mesmo, esquecendo que temos uma necessidade intrínseca de nos darmos ao outro. Já alguém dizia que ninguém consegue viver só, ou então é uma besta, ou um deus.

Mas insistimos nessa autêntica representação do "eu". Eu sou. Eu posso. Eu quero. No Teatro não aprecio monólogos. Podem ser alvo de magníficas críticas, podem ser o momento alto na carreira de um actor. Contudo, quando assisto a este tipo de peça, acho que falta sempre qualquer coisa. Falta o outro. Aquele que permite todo o despique verbal, toda a essência da linguagem que criou três pessoas e não uma. Que só entende um "eu" em função de um "tu" e, de preferência, que fale de um "ele".

Qualquer mito faz-nos pensar. O de Eco e Narciso traz-me ao pensamento duas ilações. Que é difícil viver sem poder comunicar (Eco). Que colocar no centro da nossa existência a nossa própria pessoa pode levar à não existência (Narciso).

Hoje, no meu singelo palco, sou pela pluralidade de um nós, que respeite a singularidade do meu eu.

7 comentários:

Anónimo disse...

Qualquer relação é complicada. O mais importante é sem dúvida o respeito. Gosto do seu blog.

Anónimo disse...

E que difícil é, nesta teia de relações, conciliar estes pronomes pessoais. Todos Narciso. Todos Ecos. Sou pelo Eu que se diz no Tu e se compromete no Nós.

Roubar-te-ei o Bicho. Que foi oferecido, não?

Beijinhos

Antunes Ferreira disse...

LISBOA * PORTUGAL
ferreihenrique@gmail.com


Boas

O Xeiquespirras, Guilherme prós amigos é que as sabia.

O Mundo é um ganda palco,
com homens e com mulheres
cobertos de pó de talco
prontos a fazer colheres

Passei hoje por aqui para te dizer olá! E ver como vão as coisas. Pelo que vejo, felizmente bem. Repito: gosto deste blogue. Virei cá sempre que puder pois entendo que o mereces – e dá-me prazer.

Espero também que voltes ao meu Travessa do Ferreira (www.travessadoferreira.blogspot.com). Ou que o visites pela primeira vez. Ficarei, podes ter a certeza, muito satisfeito.
Qjs/Abs

Anónimo disse...

Querida GMV,
um post que não esconde o que és. Gostei também do desenho de Carlo Rochas. E a música? sempre magnífica para os meus ouvidos.
Bjos
PJB

Anónimo disse...

Saber ser, saber estar, saber fazer! Ensinam-nos valores à nascença que nos guiam vida fora... mas "narcisos" somos todos, uns mais do que outros, convenhamos. Sentimentos revestidos de emoções falsas ou reais, são inevitáveis porque omnipresentes. Nem no "dolce far niente" elas se ausentam. No entanto confundimos auto-estima com arrogância, profissionalismo com ambição, amizade com oportunismo... porque se é aquilo que geralmente não se quer ser, porque a inveja é um sentimento humano muito negativo e sempre atinge quem o sente e não quem`é o alvo, Gostaria, eu, de ter o discernimento de entender a realidade à margem do fingimento e não sou suficientemente perpicaz para o conseguir. Assim sendo, no palco da vida, todos somos bons actores O tempo de reflexão deixou-me hoje pouco confiante em amizades que dava por aduiridas e em sentimentos que julgava certos. Avizimha-se um período de vivências complicado que será a prova real e esta nostalgia do tempo despreocupado atingiu-me com uma insegurança pouco comum. Vim visitar-te e não posso deixar de acreditar. Um beijo, só porque sim...

O Profeta disse...

Espantosamente, espantoso...


Doce beijo

SP disse...

"ensaio sobre nós"


vou ficar aqui a reler e a _________________.

bjinhos.