Ensaio sobre a saudade



Hoje, enquanto passava pela Alameda D. Afonso Henriques (gosto de sentir a festa do 1º de Maio!), chegou-me, assim do nada, um sentimento de saudade.

Saudade do primeiro 1º de Maio, em que, pela mão do meu pai, assisti à passagem daquela monumental manifestação. A primeira, sem os elos da prisão disfarçada. Recordo, sempre com uma vontade imensa de rir, o momento em que passaram os empregados do meu pai, a gritar em plenos pulmões "Fora com os patrões!". De repente, viram-nos, sairam da imensa massa humana e foram abraçar o meu pai. Boas memórias estas. Porque lá se integraram de novo e continuaram a gritar, até ao Estádio Primeiro de Maio, "Fora com os patrões!".

Mas, hoje, a propósito de uns olhares, veio-me à memória saudosista o meu Grupo de Teatro Amador TRINTA POR UMA LINHA.

Este Grupo foi criado mais ou menos há quatro anos. Resultou da insistência minha e do acreditar de mais de uma dúzia de adultos, prontos para o que desse e viesse. Numa breve reunião, surgiu o nome, pela imaginação maravilhosa da nossa Professora Deslocada. 30, porque os anos que a nossa Escola comemorava. Bem, o grupo, composto por Professores, Funcionários, Encarregados de Educação, Ex-Professores, Ex- Encarregados de Educação é mais do que um grupo de teatro. É uma irmandade de boa disposição, um repositório de memórias ensaísticas, uma filosofia de vida...

Nestes quatro anos, acumulámos representações de casa cheia, aplausos de pé, fãs que nos acompanham sempre na primeira fila. Tem sido uma experiência magnífica.

Saudades, afinal, porquê?

Fizemos um interregno, neste ano, por razões variadas não pudemos encontrar um momento comum para ensaiarmos.

Então, ficam as saudades dos meus enormes actores, sempre querendo fazer o melhor das palavras humildes desta vossa autora, das ideias malucas desta vossa encenadora.

Que saudades de uma Dianja, também Maria do Bolhão, também Mha África; de uma Empregada Esbaforida, também Josefina do Bolhão, também Clio, deusa da História; de uma Funcionária do Bar, também Professora, também Mãezinha; de um Pedro Jacques de Magalhães, também Compadre Maneli, também Luizinho; de um Adjunto, também Compadre Jaquim, também Ricardinho; de uma Encarregada de Educação Reclamadora, também Beata Fátinha, também Ofélinha; de uma Aluna Certinha, também Miranda, também Storinha; de uma Algarvia, também Vénus; de uma Beata Francisca, também Bélinha Espanca; de um Próspero, também Fernandinho; de uma Professora Sofisticada, também Inglesa, também Sininho; de um Júpiter; de uma Narradora; de uma Professora Deslocada; de um Aluno Rebelde, também Fernando, também Trovador...

São personagens que os meus actores fizeram marcantes, em três peças únicas.

São saudades dos nossos ensaios, dos vossos amuos "Hoje, não canto!", das nossas marchas tão difíceis de coreografar, dos meus arrufos de Encenadora assumidamente estrela. São saudades dos nervos das estreias, dos bastidores, dos camarins, de roupas que se vestem, de roupas que se despem...são saudades das nossas comemorações, feitas rejúbilos à comida, são saudades do nosso público...são saudades daqueles momentos em que as luzes se apagam e os meus Trinta por Uma Linha acendem no meu coração estrelas de emoção.

Obrigada.

O regresso está marcado...até já!

2 comentários:

Anónimo disse...

Hoje,não sei porquê,estou nostálgica e perdida em mil palcos da minha vida. Recordo todos os palcos e todas as personagens sentidas e vividas! Palcos distantes, longínquos que apenas sobrevivem na minha memória,como aquela idílica estrada de Zalala percorrida tantas vezes em desenfreadas corridas de bicicleta, que ganhava sempre, não fora a "minina" filha de "patrão".
Das outras, menos idílicas, representadas em palcos sujos, empoeirados, esventrados por uma guerra sórdida que me roubava tudo o que sentia meu!
E, ainda, destes outros palcos de ficção tornados realidade pelo companheirismo,amizade, vontade de estar e de ser;por uma encenadora com arrufos, sim,mas tão leal, tão companheira,tão verdadeira...
Quando posso voltar àquela estrada de Zalala, encenadora?
Não liguem ...às vezes sou assim
manuela

Graça disse...

É difícil não ligar, quando gostamos de ti...assim.
Voltaremos à estrada. Sim.