Arrufo da encenadora



Quando vinha a caminho de casa, passou-me, assim, vagamente, pela ideia, que poderia "postar" aos dias de teste. Afinal, passei o dia nisso! O que me aborrece nestes dias é o silêncio. Quem me conhece sabe o quanto gosto de me ouvir, de ouvir os outros, abomino o silêncio. Por isso, nunca vou sozinha para estas aulas, levo sempre um livro, para, no silêncio das palavras escritas, ouvir outras vozes. Levei o Agualusa (não me importava, não, de o levar mesmo). No seu último romance, que me foi oferecido, com todo o carinho, pelo meu querido N.
No meio daquele silêncio das mentes entretidas, da fluidez da escrita, das canetas vagueando entre a boca e o papel... lá cheguei à parte do livro em que se fala em silêncios. Bom, magnificamente se fala de silêncios. O melhor é ler o livro...

Porque, na verdade, hoje tive um arrufo! Daqueles difíceis de explicar. Liguei a televisão, mecanicamente, é gesto inconsciente, mas a tempo de ouvir que a Monarquia da Suécia resolveu homenagear o nosso povo, depositando uma coroa de flores no túmulo de Camões!!! Amuei!
Então é assim? Não se encontra nada melhor para homenagear o nosso povo? Logo Camões, arruaceiro de primeira, pobretanas, mulherengo, mero imitador de outras escritas?
Felizmente, que este meu espacinho é pouco frequentado... explico. Gosto de Camões, adoro leccionar Os Lusíadas, levo os meus alunos a gostar também daquela obra, considero masgistral a Ilha dos Amores, sei de cor muitos dos seus poemas, mas, convenhamos, o que fez esse homem de extraordinário?
Muitos dos sonetos que lhe estão atribuídos nem se sabe quem os escreveu, a epopeia não é mais do que uma imitação das obras de Homero. Até politicamente, o homem foi um bajulador, como tantos outros que pululam na nossa actual política. E nem me tentem convencer que é ele que jaz no túmulo dos Jerónimos. Foi esta a homenagem? Cá está, sem motivo aparente, amuei!
De Camões só me revejo no seu amor à Pátria. Esta Pátria decadente, de memórias vazias, perdidas algures no esplendor do momento em que fomos "dar novos mundos ao Mundo".

De Camões, e assim, de repente, só partilho a desilusão, relembrada nas suas últimas palavras escritas (cito de cor) "... e assim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria, que não somente me contentei de morrer nela, mas de morrer com ela." Ora, se a minha Pátria morreu contigo, Camões, que Portugal foi hoje homenageado?

4 comentários:

Anónimo disse...

Pois... são destes arrufos magistralmente "arrufados" que eu gosto!
manuela

MEU DOCE AMOR disse...

Realmente...fazes pensar com as tuas palavras.

Bem vinda ao Opiniões.Façamos dos nossos espaços pontes,não só entre nós,mas com o resto do mundo...porque não?

Beijinho doce :)

Graça disse...

Obrigada pelas visitas, obrigada pelas palavras...

Paola disse...

Provavelmente, Camões concordaria contigo. É verdade, fui tudo isso e depois? Todas as minhas experiências de vida, foram a minha vida e depois? Vivi como me apeteceu, imitei quem quis e depois? O valor que me dão não fui eu quem o pediu... Foi-me dado. Não tenho culpa da ausência de valores em que mergulham, tenho? Inventem. Inventem-se!