Ensaio fora de contexto...

Apesar do meu amor desmesurado por palavras feitas poemas, não tenho essa capacidade inexplicável de arrumar sentimentos, de rimar desejos, de dar métrica aos pensamentos. Houve dias em que ensaiei fazê-lo, motivada por uma vontade indizível.
Há pouco, descobri, num papel já maltratado, um registo (chamemos o dito de) poético. Fi-lo numa exposição de pintura de uma amiga. Fi-lo, porque, quando entrei naquela galeria, perdida pelos arcos da Rua Maria Pia, apaixonei-me por um quadro. As paixões são, também elas, difíceis de explicar.
Fora do contexto deste meu palco, ficam as palavras...



Peregrina da realidade,
Algo me chama do outro lado.
Perpasso o muro frio da ausência das palavras
Na esperança do grito que me aguarda.

Para trás...
os meus olhos vermelhos-sangue de sofrimento,
os meus pés ardentes agrilhoados na falsa liberdade,
o meu corpo diluido na cor que não quero,
o meu pensamento círculo-diáfano
na existência que não desejo.

O meu ser onírico espera-me,
atrai-me,
murmura-me o devir.

No Princípio era o Silêncio do real,
que abandono em busca
do que sonho.

Do outro lado serei Eu!

Ensaio trocado...

(foto de Luís AT)


Foi uma decisão repentina. Mudei de assunto, enquanto o computador se ligava. Afinal, estive, até agora, a ver uma reportagem da SIC, sobre os perigos da net, sobre o mundo insuportável da blogosfera!

Se eu tivesse "um pingo de vergonha", desligava imediatamente o aparelho da vodafone... melhor, se eu fosse uma pessoa ajuizada, se tivesse compreendido bem a mensagem que o canal televisivo acabou de veicular, apagava, neste preciso momento, este meu Blogue!

Segundo os peritos no assunto, os senhores respeitáveis que compunham o painel, a net é o crime do século XXI. Claro que nenhum deles a deve utilizar...
Fiquei a saber, porque aprendo todos os dias, que quem escreve num blogue (como eu!?) padece de uma imensa solidão... tem defeito de personalidade via narcisismo exacerbado. Precisarei de um médico? Terá cura?

Vamos lá esclarecer os doutos comentadores: nunca sofri de solidão, por vezes até a procuro, numa tentativa de ouvir a minha própria voz. Narciso? Sim, conheço o mito... sou culta, enfim. Mas nunca me apaixonaria por um reflexo espelhado. Gosto de mim, sim, sim! Aliás, cresci fomentando a minha auto-estima. Sou feliz! Provavelmente, isso significa, nesta rede virtual, que sou também uma desgraçada criminosa.
Tenho um desejo reprimido de exposição? Bolas, nada em mim é reprimido! Exponho-me todos os dias, a mais de uma centena de olhos... sou professora! (Mais um crime, segundo os conhecedores da matéria, visto que não devia dar informações sobre a minha pessoa!)

Gosto das reportagens da SIC. Gostei desta também. Mas, enquanto a via, só conseguia pensar que tinha de vir registar, no meu espacinho negro, porque meu, a minha aula de hoje de Formação Cívica. Afinal, eu e os meus lindinhos debatemos, civicamente, os "versus". Os opostos da vida. A amizade que se diz verdadeira, e a outra que soa a falsa... o ciúme, a inveja, os adultos, as crianças, as relações, as não relações, as palavras que morrem, porque não as usamos, e as que se gastam porque usamos em demasia. Amizade, uma delas! Da espécie das últimas. Gastámos a palavra? Não sabemos definir "amizade"?
Civicamente, os meus lindinhos esqueceram a net por uma aula, por muitas aulas, pelo tempo que passam na escola, rodeados de pessoas que os olham, que os vêem, que falam com eles, que lhes dão carinho, que lhes secam as lágrimas. Chegarão a casa e quantos não se fecharão no quarto, cometendo o crime da solidão?

A net é um perigo, ou os perigos da net, intitulava-se a reportagem... Porque não uma próxima sobre esta sociedade que, cada vez mais, é o "versus" do que devia ser? Se eu sou solitária, porque não apaguei o meu blogue, o que serão aqueles que nem perguntarão aos meus lindinhos o que foi hoje a aula de Formação Cívica?
(Nota: a quem interessar, vou de imediato visitar meia dúzia de bloguistas solitários.)

Bom dia...

(foto de Luís AT)

Hoje, acordei com um espírito saudosista. Claro que não ao nível de um António Nobre, mas com aquela saudade que nos faz sorrir, que nos faz encarar o dia com optimismo, que nos faz desejar que o tempo corra...

Tenho saudade do verde... do campo... do vento dançando com as folhas das árvores... do cantar do rio... do céu estrelado... do falar dos grilos... do monte em frente, pacatamente esperando que eu acorde e lhe diga "bom dia".
Tenho saudades do Minho!

Ensaio sobre guarda-roupa...

Manhã de invernia. Escola. Pátios ressumando a correrias cegas, a gritos estridentes. Café, para acordar, ou para não dormir, ou só café.
De repente, nas nuvens escuras, uma brecha. O Sol, envergonhado, sussurrou 'bom-dia'. A Sala Gil Vicente esperava-me. Os meus lindinhos também. Dia de ensaio. Terça-feira.
Recomeço... Há uns tempos atrás, resolvi escrever uma peça que não comédia. Um Novo Princípio. Esperei as reacções de quem quer fazer rir plateias, de quem acha que os aplausos só virão pelas gargalhadas. O texto é simbólico. Expliquei-o. Gostaram. Assumiram, desde logo, a mensagem. Preocuparam-se com a possibilidade de, um dia, se tornar realidade.
Hoje, a caminho da nossa sala de teatro, fui abalroada pelos meus lindinhos que, com a aproximação da data de estreia, mostravam a sua preocupação. S'tora, é hoje que vamos ver o guarda-roupa?
Fingi que não tinha ouvido. Entrámos. S'tora, é hoje que escolhemos as roupas? Abri o pano. O palco surgiu...com adereços esquecidos de outras representações. Entenderam o meu mutismo. Silenciosamente, libertaram o espaço de reresentação. Prontos para o início de mais um ensaio. Fiz, rapidamente, a chamada pelo nome das personagens: Batuque, Aventureiro, Animadora, Triste, Rebelde, Sonhador, Sabe-Tudo, Leitora, Paz, Alegria, Velha Terra e Esperança. Todos preparados... e, na imensidão da sala, a voz meiga da minha Alegria. S'tora, podemos escolher o guarda-roupa?
E pronto, seguiu-se a explicação. Não gosto de ornatos (querido Eça!), não quero arrebiques (ah! Eça), terão de representar sem bengalas, sem rede, fazendo das palavras, dos gestos, da expressão, do movimento, da entoação, a roupagem da minha peça... Acham que conseguem?
Levantou-se a Esperança: S'tora, vamos ensaiar.

Ensaio sobre nostalgias



Como professora que sou, ensino os meus lindinhos, desde cedo, a utilizarem o dicionário, esse instrumento revelador de significados desconhecidos. Ora, as palavras têm o seu sentido denotativo, frio, na retirada de um contexto. Diz o meu quinto volume do Grande Dicionário da Língua Portuguesa que a "nostalgia" é um abatimento ou tristeza profunda, resultante de saudades da Pátria. Hoje, não me apetece dicionário. Quero pintar a palavra com as cores da conotação. Nostalgia é o sentimento positivo que me lembra Pedro Barroso, e a sua Menina... Nostalgia é a menina. Menina é a Mafalda!

Numa noite destas, o telemóvel tocou. Era a minha querida mãe, que, de vez em quando, se lembra que eu existo. Oportuna mãe. "Filha, estás a ver o canal 1?" Não estava. "Vão dar uma reportagem sobre a Mafaldinha." Obrigada, mãe. Muito sinceramente obrigada.

Há muito tempo que não via a Mafalda... Nostalgicamente, vieram à minha memória imagens de um passado com Mafalda... Quando, pela primeira vez, a vi, ao colo do pai, não quis acreditar. A Mafalda parecia um bebé, no tamanho, convenhamos. E assim começou uma convivência quase diária nos cinco anos que a Mafalda estudou na Escola onde lecciono, há mais de 15 anos. Lembro as suas corridas de cadeira de rodas pela imensidão dos pátios. Recordo-a animando colegas, que, sentados na rampa da porta da sala 4 (feita de propósito para a Mafalda), partilhavam com ela os arrufos das primeiras paixões. Recordo-a dançando no Baile de Gala, até às tantas da manhã. Recordo as suas escapadelas à estação para comprar pastilhas. Recordo o olhar assustado de uma colega, relatando a primeira vez que a Mafalda saltou para a secretária e lá ficou. Lembro, especialmente, o dia em que a Mafalda foi connosco em visita de estudo ao rio Sado. Andámos mais de oito horas naquele barco, procurando golfinhos. A Mafalda não desceu aos botes cor-de-laranja que perseguiam essa comunidade de mamíferos lindos... a Mafalda não foi almoçar à praia. Fiquei com ela no barco grande. Registei o momento numa fotografia que guardo religiosamente. A Mafalda comia, com um ar de felicidade imensa, a sua sandes, ao lado de um pacote de batatas fritas. O pacote, encostado na amurada do barco, era do tamanho da Mafalda!

Olhei para a televisão. Lá estava ela, sorrindo, como sempre, ensinando a todos nós a razão da sua existência. Aquela jovem, cheia de vida, comemorava os seus 25 anos com a publicação de um livro. Portadora de uma doença, dita "palavrão" para utilizar as suas palavras, Mafalda falou e encantou. Registei um ensinamento: o importante não é a embalagem! Falava do seu corpo. A embalagem que todos rapidamente esquecíamos, ao fim de meia dúzia de palavras.

No início da tarde de hoje, uma amiga emprestou-me o livro da Mafalda. Queria tê-lo comprado no fim-de-semana, mas não encontrei. Vou lê-la. Orgulhosamente lê-la, porque sim.

Nostalgia também pode ser um ressurgimento, dado por uma memória feliz. Só porque quero. Só porque a recordo sempre feliz.

Perante esta lição de vida, que é a Mafalda, quase que me apetece perguntar de que se queixam as pessoas, todos os dias? O que lamentam? Porque se ressentem da sua "embalagem"?
A resposta fica nas palavras desse magnífico poeta Pablo Neruda, que surge logo no prefácio desse livro, cheio de Mafaldisses!
"Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante..."

No meu dicionário, agora, nostalgia é uma flor que sobrevive linda, na dureza de um chão de pedra!

Convites...(ou a Liberdade!)

(foto de Luís AT)


Diz um ditado popular "Tão perto e, ainda assim, tão longe". Imbuída deste pensamento simples, resolvi viver estes dias, tentando quebrar a verdade do dito. Fui arejar para outras paragens. As distâncias somos nós que as fazemos. Quantas vezes, na proximidade de quem está ao nosso lado, não sentimos um abismo que nos separa? E, pelo contrário, quantas vezes, na ausência de quem está longe, não sentimos o seu carinho, o seu respirar à lonjura do nada?

Nesta minha cidade de acolhimento, fiz amizades que constituem as fundações, os alicerces, deste meu viver. Contudo, tenho outras, mais longe, e ainda assim tão perto. Fui. Não falei de escola, nem de alunos, de decretos, de gestão, não partilho essa parte da minha vida com as pessoas com quem estive nestes dias. É bom. Faz bem, à minha saúde mental, falar de outros assuntos, partilhar outros sentimentos.

Limitei-me a pôr outras relações em dia... e a receber convites! Diz o dicionário que um convite é uma dádiva. Ora bem, regresso cheia de dádivas, desses momentos que sabem bem, que completam as eventuais faltas dos nossos dias. Dádivas simples: convite para jantar... fui; convite para almoçar... fui; convite para o cinema... fui (Indy, sempre extraordinário, porque Harrison Ford)... convite para Rock in Rio, dia 1 de Junho, não vou, lamento, mas já fui convidada para ir no dia 31, (dois dias seguidos na cidade do rock seria demais)! Depois outro, daqueles que surgem, porque surgem, e que eu aceito, sabe-se lá porquê. Fim-de-semana em Barcelona... irei, mesmo sabendo que... como tenho ido, sempre que para tal sou chamada, como fui a Amesterdão, como fui... enfim, são outras facetas desta minha vida que não é assim tão pública, quanto isso. O palco é bom, mas, por vezes, é necessário fechar o pano...

Foram dias cheios, sem dúvida, de outras conversas, de outras emoções, de outros sentimentos...

Domingo à tarde, e quase de regresso ao espaço que é meu, a esta cidade de que aprendi a gostar, tive vontade de fazer um convite... para café, talvez. Não fiz. Não gostaria da eventualidade de que alguém pudesse recusar a minha dádiva.

Cheguei. As energias foram repostas. Estou pronta para mais ensaios.

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Post scriptum: a net tem coisas maravilhosas! Obrigada!

Hoje, acordei com uma música na cabeça. Acontece-me frequentemente... são as memórias dando sinal de vida. No entanto, não consegui lembrar a totalidade da letra, os acordes da música. Afinal, há mais de 15 anos, talvez, que não a ouvia. Há pouco, quando cheguei a casa, fiz uma pequena pesquisa. E aí está ela... maravilhosa "Liberdade". Deixo-a soar neste meu espaço... registo-lhe as magníficas palavras... alimento a saudade.

Arde
Arde
Sincero silêncio
A Liberdade
Só tem um momento
Arde à vontade
Alta procura
Fica a saudade
Ai, que não tem cura
Canta
Canta
A chama da vida
A Liberdade está quase perdida
Canta à vontade
Alto e bem sem medo
É a saudade
Ai, quem guarda o segredo
Calma
Calma
Que já se avizinha
A Liberdade voltando sozinha
Vem à vontade
Que eu espero acordado
Tenho a saudade
Ai, sempre do meu lado

Comprei-me...



O meu pai ensinou-me, quando eu era ainda uma filha que ouvia, que não interessa se bem, se mal, o importante é que falem de nós!

Cresci, fazendo tudo para que esta "máxima" do clã V. não caísse no esquecimento. Falam de mim, eu sei. Na parte do mal, provavelmente para me apontarem defeitos que para mim são aspectos inerentes à minha existência. Na parte do bem, apontar-me-ão virtudes que eu não tenho...mas gostaria de ter.

Para quem me conhece, e são muito poucos, convenhamos, não liga às minhas auto-reflexões hiperbólicas. Não lhes dá importância, não lhes encontra faceta "pedante", não lhes reconhece vaidade, porque, enfim, me conhece. Para os outros, soará sempre a discurso apologístico em nome próprio. Reconheço algum exagero da minha parte, mas no discurso, nas palavras que gosto de articular, na velocidade estonteante da conversa. Nunca exagero em mim. Sou o que sou. Se incomoda, paciência!

Vem a introdução a propósito de, hoje, ter tido a oportunidade de me comprar. Não deixa de ser gratificante poder entrar numa qualquer papelaria e adquirir um jornal onde está o nosso nome. Pequena notícia...como a própria, contudo lá, na página trinta e um, na secção de Cultura. Alguém que eu gosto leu para mim. Gostei. Afinal, no sábado passado, tinha dado uma entrevista a uma jornalista que, no meio de mais de uma dezena de professores, me escolheu. Sei a razão. Sou autora das peças que enceno.

Transcrevo a dita...só porque o blogue é meu, só porque escrevo para mim, só porque os tais que me conhecem também vão gostar de ler. O meu pai vai gostar, de certeza.


A professora que escreve peças de teatro

"Conversas de Esplanada” é uma peça original do Núcleo de Teatro da Escola EB 2,3 xxxxx xxxxxxx , em xxxxxx, que foi apresentado na tarde de sábado no auditório da XXXX. GMV é professora de Língua Portuguesa e lecciona a disciplina na escola há mais de dez anos. É também a professora de teatro do núcleo. Já escreveu oito peças para a iniciativa “Aprendizes do Fingir”. Confessa-se uma apaixonada pela escrita e garante que, muitas das vezes, a inspiração e as ideias para escrever uma peça surge da conversa com os alunos.
“No início do ano lectivo converso com eles e pergunto-lhes sobre o que eles querem representar. Eles dão ideias e vou puxando pela imaginação. Depois mostro-lhes, eles dizem se gostam e adaptamo-la à personalidade de cada um. É uma experiência muito enriquecedora”, garante.
“Conversas de Esplanada” passa-se numa esplanada de uma grande capital e as personagens vão passando pelo local. Excepto um inglês que permanece e, no final da história, se percebe que é um ladrão de quadros de Picasso. Uma história ligeira e divertida onde cada aluno descobre as suas capacidades teatrais.
“O teatro ajuda a modificar alguns comportamentos, sobretudo daqueles jovens muito tímidos. A maioria dos pais dizem-me que não faziam ideia que o filho fosse capaz de representar tão bem”, conta orgulhosa.
GMV aplaude esta iniciativa promovida pela câmara uma vez que permite aos jovens actores mostrarem o trabalho que desenvolvem ao longo do ano. “É o reconhecimento do seu trabalho." conclui.
Nota posterior: alterei algumas coisas na notícia. Afinal, o blogue é público, mas as pessoas não.

Ensaio sobre gostos...

(foto de Luís, AT)

Nasci em Novembro. Diz a minha mãe que numa tarde cinzenta e fria.
Sou do Outono boreal. Dessa estação do calor que se esvanece, do amarelar das folhas nas árvores caducas.

Gosto de dias cinzentos, quando as cores se revelam sem a cadência de um Sol ofuscante. Gosto do frio que passa e perpassa pelo corpo, pela alma. Gosto de dias curtos, em que a luminosidade natural dá lugar à noite confidente, conselheira. Gosto de olhar o céu negro, ponteado de pequenas luzes, que não existem, no momento em que as reclamo. Gosto de chuva miudinha, lavando pensamentos sombrios. Gosto do mar encrespado pela violência do vento, das ondas batendo nas escarpas da vida. Gosto de ver o horizonte rasgado por raios, silenciosamente desenhados pela Natureza. Gosto da imensidão da Serra despida e orgulhosamente assimétrica, essa Serra de penedos sustentada. Gosto de nuvens negras, pesadas pela torrente que se adivinha.

Sou filha de um fim de tarde cinzento e frio. Sou o resultado desses tons em palete guardados.

Gosto de cores escuras... visto-me de preto, na intensidade de um sentimento que não se quer fingido. No minimalismo de um palco que não distrai o espectador. Gosto de gostar, por somente gostar.

Ouviram-se pancadas de Molière que quebram o silêncio... abri o pano dos meus gostos. Esta é a verdadeira peça que faz a minha alegria!

Through her eyes...

Um dia, perdido na minha adolescência, disseram-me que não podia estudar mais Francês. Tive, talvez, um dos maiores desgostos da minha vida. Como não? Como parar o contacto com aquele linguajar cantante, belo, todo ressumando poesia? Como deixar de ouvir o encantamento feito palavras?
Contrariada, segui a opção que viria a marcar todo o meu gosto desmesurado pela Literatura. Dediquei-me de corpo e alma, (expressão batida, mas que serve muito bem o contexto), a ler em Inglês. Afinal, um dos meus primeiros livros, lido nessa língua universal, era de George Orwell, Nineteen Eighty-Four, marcou, sem dúvida. Ainda hoje, ressoam na minha memória os helicópteros ao serviço do Grande Irmão, tudo controlando, tudo vigiando. Mais tarde, li, devia ter os meus 16 anos, Animal Farm: A Fairy Story (traduzido como O triunfo dos Porcos!!!!!). Começava, nesses longinquos tempos, este meu amor à língua inglesa. À verdadeira, à dos grandes escritores, à da beleza também das palavras...Nem sei bem quantos livros já li em inglês, e quando falo em livros falo unicamente dessa arte feita pelos olhares tão especiais de quem diz a realidade sonhada.
Bom, abreviando, nasce também, desse contacto, a minha reverência ao texto dramático, na verdadeira acepção das palavras. Gosto especialmente do teatro do absurdo. Samuel Beckett não devia ser traduzido... o seu Waiting for Godot só faz sentido em inglês. "In the meantime let us try and converse calmly, since we are incapable of keeping silent." Era aqui que eu queria chegar...exactamente aqui. O resto do post só existe como moldura do espelho que fui.
Através dos olhos desta Encenadora, é fácil concluir que não existe grande dificuldade em amar palavras. Sou incapaz de manter o silêncio... assusta-me antecipar um momento em que, mesmo que só mentalmente, me possa esquecer de alguma. Dou-lhes vida, quando as penso, quando as escrevo, quando as verbalizo.
Os meus olhos falam, cheiram os sons articulados, tacteiam o gosto das folhas a preencher... não gosto do branco do papel.
As minhas mãos falam, nos gestos inconscientes, mecanizados no prolongar do que é dito, do que é pensado e não dito, do que é dito sem pensar.
Toda eu abomino o silêncio...o vazio do pensar.
Em Francês, em Inglês, na minha Pátria feita Língua, alimento-me de palavras.
E o título do post, Encenadora?
Saí de mim um pouco, olhei-me nos olhos, e através deles vi-me na limpidez do intervalo desta peça!

As flores da Encenadora...

(foto de JGF)


O grande escritor, que muitas vezes vi vagueando pelos corredores da minha Faculdade, Eduardo Prado Coelho, registou, um dia, as palavras sábias: "O teatro é uma dimensão da poesia, isto é, a mais alta tentativa de conseguir que cada um de nós se envolva na verdade que não existe..." Mas existe! A mais pura verdade é que existe no pulsar de cada um de nós, os verdadeiros actores, neste palco da vida.

Hoje vesti dois papéis, de guarda-roupa que se confunde, de personagens afins. Autora e Encenadora. Não sei em que momento da minha vida senti uma necessidade imensa de escrever teatro. Foi, talvez, a tal dimensão da poesia a transpirar do meu ser. Quis-me envolver numa verdade por mim criada, por mim encenada, mas nunca por mim vivida.

Nunca me senti capaz de subir a um palco. De assumir um outro que não eu. É ridículo o que digo, afinal criei centenas de personagens, neste passar efémero do tempo. Centenas de outros, que me completam nesta certeza de que saíram de mim.
Imagino personagens em qualquer situação de vida, quando, nas minhas noites de insónia, me recuso a contar carneiros; quando, em dias de teste, no silêncio atroz, me delicio inventado tramas e dramas; quando viajo, ao volante do meu companheiro automóvel. Mas nunca consegui subir a um palco. Serei talvez péssima actriz, porque tenho um papel intrínseco, difícil de despir: eu!

Eu autora, hoje, ri do meu texto. Afinal era uma comédia. Reconheço, naquela ausência de humildade que os meus me reconhecem, que era de não envergonhar ninguém. Eu encenadora, hoje, incentivei, animei, dei os parabéns aos meus Aprendizes do Fingir! Sem eles, o texto seria apagado, na memória de palavras não vividas, não sentidas, não representadas.

No final, os aplausos, da plateia desconhecida, da plateia conhecida... contudo, os únicos audíveis, no fundo do meu coração, foram os dos meus lindinhos. Flores. Flores para mim. Murcharão, decerto - ficarão feitas memórias na minha vida, sem dúvida. Mais uma vez.
O teatro é poesia... o sentimento partilhado, as emoções vivenciadas, o eu que se expõe.
Fiz acontecer teatro...fruto da poesia escondida em mim.

Obrigada a todos os que hoje sorriram para mim, nessas presenças que iluminam o palco da minha existência.

Ensaio sobre representações

Cheguei há pouco. Estafante, o dia...e a noite. Representar é, por momentos, vestir a pele de um outro. Representar é não olhar para a plateia e seguir, calmamente, as marcações no palco. Representar é, no final, ouvir os aplausos. E sorrir, na consciência de um papel acabado.
Foi tudo isso. A animação, os intervalos cheios de convívio, cheios de música, os ex-alunos que se revêem, os colegas que se reencontram, os silêncios que possibilitam escutar quem, na enormidade do palco, se quer fazer ouvir, num auditório sobrelotado de um público, por vezes, impaciente.
Amanhã...quer dizer, hoje, haverá mais. Uma maratona de sentimentos feitos falas, papéis, guarda-roupa, cenários, ou pela ausência de tudo isto.
Sinto-me cheia de teatro, cansada demais para dormir. Assim, vindo do nada, penso que ainda não jantei. Duas e meia? Vou jantar!

No palco a sério...


Na verdade, não tinha pensado vir aqui hoje, mas o Sócrates irritou-me. Pela primeira vez, na vida que lhe conheço, disse algo que eu gostei...e isso deixou-me de rastos. Verbalizou o dito: "Se por algum motivo violei alguma lei, lamento e peço desculpa..." Ora bem. Sou de fácil aprendizagem. Vou violar umas quantas leis do Senhor Sócrates e depois enviar-lhe esta frase digna de qualquer grande estadista.
Quanto ao palco a sério, chegou a hora!...amanhã é o primeiro ensaio técnico. Já no Grande Auditório. Que não assusta os meus actores. Que não assusta a Encenadora. Mesmo que leve mais de seiscentas pessoas. São bons os meus pequenos Aprendizes, feitos grandes Actores. Sexta, aplaudiremos Teatro até à meia-noite.

Sábado, subirão ao palco. O verdadeiro. "Conversas de Esplanada". Minha, como sempre. Farão, sem dúvida, da peça que escrevi mais um momento inesquecível. Eu, como sempre, ficarei nos bastidores, sorrindo...rindo! Aplaudindo.

Depois mais Teatro, tarde fora, noite fora... Comigo, porque somos um, quando se fala em amor dramático.

Sabem do que falo! Dias de quem é Professora.

Carta aberta aos críticos do meu palco...



Algures por aqui, hoje


Queridos amigos,

Nem sei bem como começar esta carta. Olhando para o meu palco, na tentativa de o fazer objectivamente, reconheço, de repente, que não posso passar ao lado de umas breves palavras à minha plateia.
Tenho consciência de que quem chegar aqui, sem adquirir bilhete, não vai certamente compreender algumas das críticas, feitas comentários.
O panegírico à Encenadora parece forçado. Eu mesma chego a pensar que não é de mim que falam, quando escrevem aquelas palavras... Mas é! Por isso, obrigada.
Em consciência, sei que não pedi os vossos pedaços de ternura... contudo, eles pululam neste palco, na minha caixa de correio, pessoalmente. Enfim, sinto-me...sinto-me...sinto-me sem palavras.
Que ironia! Uma mulher feita de palavras, queda-se na mudez do agradecimento.
Apetecia-me agradecer cada palavra, uma a uma. Ficam bem no meu palco, embelezam-no.

Mereço tanto? Não sei...

O calor projectado pelo vosso olhar, neste meu humilde, (porque EU), palco, aquece a minha alma. Por isso, obrigada.
Algures por aqui, surgiu uma frase que me marcou "Porque não tive o privilégio de ter uma Professora como tu..."! Resposta simples: o privilégio é meu, por me deixarem fazer parte da vossa existência.

Vai longa a missiva. E nada disse. Por isso, obrigada.


Com todo o AMOR que vos tenho
(porque não tenho medo do sentimento, nem vergonha de usar a palavra)

A Encenadora de mim.


Ensaio sobre ensaios poéticos...

(foto de JGF)

Neste palco de ensaios, há dias em que nos desviamos do objectivo primordial. Essas variações são o ânimo para o regresso transfigurado por um sentimento bom.

Andamos, no palco escolar, à volta do texto poético. O gosto da professora enche a sala. Agiganto-me no tratar desse texto tão pequeno e tão indefeso perante os olhares, primeiro desconfiados, depois brilhantes na vontade de ir descobrindo.

Claro que antes tratámos de toda a parte de suporte de análise das palavras escritas. Os alicerces de termos que permitem a construção do edifício da interpretação. Essa arte de versificação, rotulada de versos e estrofes, rimas e métrica, recursos e figuras.
Atacámos um poema, assim para começar, que derruba todas as convenções aprendidas. Nada de divisão em estrofes, nada de rima, nada de pontuação expressiva. Então e agora, professora? Agora, eu leio! (sou boa nisso) Li dando toda a entoação e sentimento ausentes no propósito da diferença. No final da minha leitura, já uns quantos braços no ar reclamavam a minha atenção. Ignorei. Lancei algumas perguntas para orientar sentidos...mais braços no ar, todos tinham algo a dizer.

Disseram. Individualmente fomos construindo um sentido colectivo. Título? Se tem é porque o sujeito nos quis dar uma chave para abrir o seu poema! (bonito, pensei, quase tanto como o poema). Falta de sinais de pontuação? São paragens que quebram o pensar e o sentir do poeta, a não existência dos ditos poderá significar uma urgência no dizer, que não admite paragens impostas! (brilhante, pensei, quase tanto como o poema). A anáfora do "quero"? O repetir de uma ideia reforça a mesma, numa tentativa de se convencer a ele próprio, ou se quer, não tem, deseja por isso ter! (não pensei nisso, confesso, mas gostei)...

Podia continuar expondo o resultado da minha aula, mas, no fundo, foi só mais uma de muitas, em que o tempo não chega, em que a sua passagem não se sente. Não ouvimos tocar...foram as vozes estridentes no pátio que nos anunciaram que há outros dias, que há outros poetas a descobrir, que há outras palavras a despir de conotações. Saimos.

Até amanhã.





No momento das audições...



Gosto de Pessoa. Aliás, gostar é muito redutor do meu sentir. Amo Pessoa, naquele sentimento altruísta de quem sabe que nunca será recíproco. Mas também, e porque não, naquela definição espartilhada pelo dicionário que mistura "afecto" com "graça". Ora, nem mais.
O Pessoa que eu amo nunca se sujeitaria a uma audição! O Pessoa que eu guardo no meu coração, não é só Poeta. Esse é, por vezes, violentado em usos e abusos de interpretações ditas e reditas e nem sempre conseguidas.
O meu Pessoa é o das máscaras, o que fingia não ser, sendo; o que solitariamente olhava o mundo, na consciência do social.
De Pessoa admiro todas as facetas...não há post bloguiano suficientemente enorme para resumir a sua existência. (Isto sou eu, amando!)
"Cada um de nós tem, talvez, muito a dizer, mas acerca desse muito há pouco que se diga." (Fernando Pessoa)

Serve o intróito para chegar à verdade da reflexão Pessoana. Actualmente, fazem-se "audições" para tudo. Ao ritmo estonteante desta vida, não se quer perder a oportunidade de mais um papel. Sujeitamo-nos à escolha, feita sem critérios objectivos, deixamo-nos analisar na rapidez de um olhar..."castings" para uma vida.
Tinha tanto a dizer, mas há pouco que se diga...
Aos encenadores que escolhem, resta-lhes a hipótese de que, um dia, no meio da multidão de candidatos, surja uma revelação.

Só porque me apetece, e posso, deixo mais uma daquelas "máscaras" feitas Pessoa: "Os Deuses nada nos dirão, nem tão pouco o Destino. Os Deuses estão mortos e o Destino é mudo."
Ousaria acrescentar: escutemos então a simplicidade do ser humano.

Vou dormir.

Ensaio sobre o ponto...

(foto de Paola)


Sempre me fez um pouco de confusão a ideia de um ponto. Em teatro, entenda-se. A necessidade de alguém que vai repetindo, em voz baixa, as falas das personagens, soa-me a desnecessária. Cada actor devia ter a segurança de, no momento da falha, partir para a grandeza do improviso.

Falo da vida também. Desta vida feita drama, no sentido grego da palavra, porque acção. Engorolar momentos de existência, não me parece que fique bem, perante uma plateia tão exigente, que são aqueles que preenchem cada dia da nossa, cada vez mais, representada vida!

Parta-se, então, para o improviso... esqueça-se o ponto (mas mantenham-se os parêntesis que nos protegem). Improvisemos a cada erro na peça. Improvisemos na monotonia dos dias escritos por autores distantes. Improvisemos na exaltação de uma mera vontade. Improvisemos, porque o desejo de deixar a personagem está latente. Improvisemos para despir a roupagem imposta por conceitos e preconceitos sociais.

Não gosto de pontos. Finais.

Hoje fico-me pelas reticências deste palco, na suspensão do não-dito!

Ensaio sobre direitos de autor...


Hoje fui acordada pela voz doce e risonha do Rui. Fiquei furiosa. Detesto ser acordada, depois de não ter ainda cinco horas de sono! Aliás, a minha relação com o sono é difícil. Não nos entendemos. Quando eu quero, ele vira-me as costas, quando ele vem de mansinho, eu não posso!

O Rui murmurava no meu ouvido direito palavras e mais palavras e eu só me apetecia partir para a violência verbal, claro, não sou apologista da física (se bem que uma não é melhor do que a outra.) De repente, fiz um esforço de concentração...dizia-me qualquer coisa como se não seria um bom dia para tratar dos direitos de autora. Saltei da cama... furibunda comigo. Já não é a primeira vez que o Rui me acorda só para me dizer que me esqueci de alguma coisa. Sempre nos seus modos calmos e doces. Então é assim? É já para a semana, e eu não me lembrei? Será velhice? Será cansaço? Voei até à capital, acompanhada pelo som gritante de uma miscelânia de música grega. Tudo se resolve na capital.
A meio da viagem, a notícia, feita mensagem, de que os convites para o Rock in Rio já existiam. Rejubilei. Lá estarei, no dia certo, com a companhia desejada.
Antes da chegada, notícias de um dos Josés da minha vida. Já estava na Alemanha, vindo de oito dias na China, chegaria a Lisboa às 10.00 da noite. Não sei se irei... almoçamos talvez amanhã, no Paço do Lumiar, entre uma tacada e outra...de golfe, entenda-se.

Fui tratar da vida de autora. Pois que o sou...e isso obedece a burocracias legais. Mais um homem da minha vida dá sinais, sobrinho adorado, escorpião persistente, 19 a Matemática. Quase hora de almoço...o vento luta desalmadamente com as minhas vestes. Rio...sinto-me feliz. Outro homem, desta vez ao telemóvel, o pai, disposto a fazer o almoço que a filha gosta. Seja. Fui. No final, as palavras feitas pérolas na minha existência "O que seria de nós sem ti?". Provavelmente, o que seria de mim sem vocês!


Eis quando uma nuvem ensombra o meu dia solarengo. "Estou no hospital." Assim, frias e duras as palavras. Liguei... tentei animar, tentei dar todo o meu carinho através das ondas levadas pelo vento. Estou. Sempre. Para ti!
Preparo o regresso à minha pacata cidade de acolhimento. No entanto, uma dor relembra-me de que eu também existo, para além dos outros. Corro à clínica. Explico a urgência de uma consulta. Mais burocracias. Dia 30? Bem, se até lá o meu coração parar, que a minha vaga seja bem ocupada.

Sexta-feira. 18.00 horas. Os testes chamam por mim. Toca o telefone. Que bom o convite! Café? Já? Vou. Sempre que a amizade me chamar assim.

Obrigada ao Rui, por me ter acordado tão cedo. Enchi o meu dia. De mim.

Ensaio dizer em grego S'AGAPO POLY! Para os homens da minha vida, para as mulheres da minha vida, unicamente para a minha vida!


Ensaio sobre poemas







Este blogue não é sobre poesia. Quem por aqui vai espreitando sabe isso, desde o início. Na verdade, é mesmo sobre as representações a que estou sujeita dia-a-dia. Os papéis que se vivem na consciência da ilusão dramática.
No outro dia, alguém dizia: "Teatrices" é um lugar imenso de ti... É, sou eu! Nos meus lugares, feitos pensamentos postados.
Ora bem, o propósito de hoje não é mais do que falar de ontem. Neste lugar imenso de mim, gosto mesmo de falar desse assunto, tão banal e lugar-comum, que é ser professora. Ontem, homenageámos a Língua Portuguesa...só porque nos apeteceu (e era, na Escola, dia dedicado ao assunto). Ora, como não tínhamos muito tempo, era afinal uma aula de Estudo Acompanhado, resolvi propor aos meus lindinhos uma actividade que muito gosto. A produção de um texto colectivo.
É muito gratificante ver surgir do nada, palavras, expressões, frases, neste caso, feitas versos. Era um poema colectivo à Língua Portuguesa!
Mas o mais recompensador é vê-los corrigindo, melhorando, pontuando, pensando palavras, enfim.
O que saiu destes minutos de trabalho colectivo, deste momento em que deram as mãos, é o que aqui deixo, sem mudar uma vírgula. Afinal, o poema tem de ser a expressão do momento, a manifestação de um estado de espírito efémero, a explosão de um sentimento contido. Fica a experiência do meu 7º E, feita homenagem colectiva.



A Língua...razão de vida,
perfumada, cristalizada,
doce e poderosa...
Escrita com amor,
feita com paixão,
língua oficial do meu coração!

Cada palavra uma vida,
um arco-íris fascinante,

um enigma infinito,
uma arte alucinante!

É a razão do nosso viver,
É amar a Pátria com emoção,
É algo que não nos deixa morrer,
É o que nasce no nosso coração!

(a foto não roubei... foi-me oferecida. )

Ensaio sobre o tempo...

Nunca usei relógio. Não gosto de ver o tempo aprisionado em formatos criados consoante as modas.
Gosto de sentir o tempo. A sua passagem compassada pela lentidão do querer, pela rapidez de um desejo feito pressa.
Não gosto de medir o tempo através de ponteiros convencionados por seres convencionais.
Gosto de o percepcionar no existir diáfano, que não se nota, gosto de o concretizar na abstracção de um pensamento.
Sorrio sempre que se fala de tempo. Os que vivem obcecados pelo dito, nunca têm tempo...os que lhe dão demasiada importância ouvem-no no badalar do segundo.
Vem isto a propósito de hoje ter pressentido que o meu tempo não aceita esta relação que sempre fomentei com ele. Sinto, de repente, que o meu tempo mede-se, passa, não chega.
Mas, mesmo assim, recuso-me a agrilhoá-lo. Nunca usarei relógio.

No foyer...

(foto de JGF)


Neste espaço, feito Teatro de uma vida, que, por acaso, é a minha, hoje reduzo-me à condição de não passar do Foyer. Estrangeirismo elegante, sem dúvida. E no inumerável vocabulário português, não encontrei nada melhor para me relatar, nesta quase noite de terça-feira.

Não posso entrar! No outro dia, um dos nossos políticos, à conta da luta instaurada pelo poder laranja, proferiu uma frase "assisada" (para compensar o estrangeirismo): Ser responsável é resistir!

Nem mais! Sou responsável! Nessa perspectiva, e porque aguardam, na minha mesa, na expectativa de uma correcção, os testes dos meus lindinhos, vou resistir!

Hoje, não passo do Foyer... o auditório que espere pela minha irresponsabilidade.

(A flor...roubei, só porque era laranja e ficava bem.)


Arrufo da encenadora



Quando vinha a caminho de casa, passou-me, assim, vagamente, pela ideia, que poderia "postar" aos dias de teste. Afinal, passei o dia nisso! O que me aborrece nestes dias é o silêncio. Quem me conhece sabe o quanto gosto de me ouvir, de ouvir os outros, abomino o silêncio. Por isso, nunca vou sozinha para estas aulas, levo sempre um livro, para, no silêncio das palavras escritas, ouvir outras vozes. Levei o Agualusa (não me importava, não, de o levar mesmo). No seu último romance, que me foi oferecido, com todo o carinho, pelo meu querido N.
No meio daquele silêncio das mentes entretidas, da fluidez da escrita, das canetas vagueando entre a boca e o papel... lá cheguei à parte do livro em que se fala em silêncios. Bom, magnificamente se fala de silêncios. O melhor é ler o livro...

Porque, na verdade, hoje tive um arrufo! Daqueles difíceis de explicar. Liguei a televisão, mecanicamente, é gesto inconsciente, mas a tempo de ouvir que a Monarquia da Suécia resolveu homenagear o nosso povo, depositando uma coroa de flores no túmulo de Camões!!! Amuei!
Então é assim? Não se encontra nada melhor para homenagear o nosso povo? Logo Camões, arruaceiro de primeira, pobretanas, mulherengo, mero imitador de outras escritas?
Felizmente, que este meu espacinho é pouco frequentado... explico. Gosto de Camões, adoro leccionar Os Lusíadas, levo os meus alunos a gostar também daquela obra, considero masgistral a Ilha dos Amores, sei de cor muitos dos seus poemas, mas, convenhamos, o que fez esse homem de extraordinário?
Muitos dos sonetos que lhe estão atribuídos nem se sabe quem os escreveu, a epopeia não é mais do que uma imitação das obras de Homero. Até politicamente, o homem foi um bajulador, como tantos outros que pululam na nossa actual política. E nem me tentem convencer que é ele que jaz no túmulo dos Jerónimos. Foi esta a homenagem? Cá está, sem motivo aparente, amuei!
De Camões só me revejo no seu amor à Pátria. Esta Pátria decadente, de memórias vazias, perdidas algures no esplendor do momento em que fomos "dar novos mundos ao Mundo".

De Camões, e assim, de repente, só partilho a desilusão, relembrada nas suas últimas palavras escritas (cito de cor) "... e assim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria, que não somente me contentei de morrer nela, mas de morrer com ela." Ora, se a minha Pátria morreu contigo, Camões, que Portugal foi hoje homenageado?

A uma Deusa...


Hoje é Dia da Mãe!

Nunca quis ser mãe. Não por mera pretensão de querer ser só, nem por dedicação a causas que nos sugam tempo, não. Nunca quis ser mãe por medo. Um medo que cresceu comigo e me secou a vontade de o ser. Não era medo das dores do parto, não era medo de não saber educar (sou uma boa educadora), nem sequer por achar que não daria uma boa formadora de algum ser humano.
Não! Nunca quis ser mãe por receio de não conseguir transmitir a importância da partilha de sentimentos. Como imaginar um filho que não conseguisse sentir, na verdadeira acepção da palavra?
Hoje, no Dia da Mãe, vou ver a minha, almoçar com ela, na convenção dos dias inventados.

Contudo, no dia que é hoje, só me apetece mesmo recordar a minha Avó!
A minha Avó tinha nome de Deusa: Artemiza. Quando penso em Mãe, visualizo a minha Artémis, linda, meiga, cheia de sentimentos todos prontos a partilhar.
A minha Avó ensinou-me tudo. A ler livros de encantar, a gostar de histórias ditas em tom suave, ao fim da noite, para adormecer. Ensinou-me a ouvir rádio, a cozinhar, a costurar, a cantar os fados de Amália... A minha Avó tinha a mais linda voz que eu já escutei.
Nunca lhe ouvi uma palavra mais alta, ou zangada, tinha sempre um sorriso perfeitamente desenhado nas suas feições doces. Partilhava o seu ser magnificamente. Era Mãe!
Um dia, uma doença de nome gélido e estrangeiro (Alzheimer) começou a apagar as memórias da minha Artemiza. As memórias de mim também! Só o seu sorriso ficou até ao fim.
A minha Avó não tinha só nome de Deusa. Era uma Deusa.

No dia que é hoje, minha Mãe Artemiza, um sorriso para ti, que estarás, sem dúvida, num Olimpo de sentimentos maternos.

Até sempre.

De um dramaturgo...


Hoje não me apetece escrever. Estou muito mais numa de leitura.

Quando assim é, regresso àqueles que tanto admiro, neste mundo infindável de vozes silenciosas, expressas em palavras escritas.

Fui buscar, ali à minha prateleira, Mário de Sá Carneiro...gosto de o ler, quando algumas nuvens cinzentas encobrem o meu sorriso. O mais curioso é que, de repente, quem olhava para mim, pedindo um pouco de atenção, era mesmo esse extraordinário inventor de palavras feitas actos, feitas cenas!

William Shakespeare. De um dramaturgo incomparável, ficam algumas palavras sábias "Aceita o conselho dos outros, mas nunca desistas da tua própria opinião." e "O resto é silêncio!".



Na junção das duas, fecho hoje o meu pano.

Ensaio sobre a saudade



Hoje, enquanto passava pela Alameda D. Afonso Henriques (gosto de sentir a festa do 1º de Maio!), chegou-me, assim do nada, um sentimento de saudade.

Saudade do primeiro 1º de Maio, em que, pela mão do meu pai, assisti à passagem daquela monumental manifestação. A primeira, sem os elos da prisão disfarçada. Recordo, sempre com uma vontade imensa de rir, o momento em que passaram os empregados do meu pai, a gritar em plenos pulmões "Fora com os patrões!". De repente, viram-nos, sairam da imensa massa humana e foram abraçar o meu pai. Boas memórias estas. Porque lá se integraram de novo e continuaram a gritar, até ao Estádio Primeiro de Maio, "Fora com os patrões!".

Mas, hoje, a propósito de uns olhares, veio-me à memória saudosista o meu Grupo de Teatro Amador TRINTA POR UMA LINHA.

Este Grupo foi criado mais ou menos há quatro anos. Resultou da insistência minha e do acreditar de mais de uma dúzia de adultos, prontos para o que desse e viesse. Numa breve reunião, surgiu o nome, pela imaginação maravilhosa da nossa Professora Deslocada. 30, porque os anos que a nossa Escola comemorava. Bem, o grupo, composto por Professores, Funcionários, Encarregados de Educação, Ex-Professores, Ex- Encarregados de Educação é mais do que um grupo de teatro. É uma irmandade de boa disposição, um repositório de memórias ensaísticas, uma filosofia de vida...

Nestes quatro anos, acumulámos representações de casa cheia, aplausos de pé, fãs que nos acompanham sempre na primeira fila. Tem sido uma experiência magnífica.

Saudades, afinal, porquê?

Fizemos um interregno, neste ano, por razões variadas não pudemos encontrar um momento comum para ensaiarmos.

Então, ficam as saudades dos meus enormes actores, sempre querendo fazer o melhor das palavras humildes desta vossa autora, das ideias malucas desta vossa encenadora.

Que saudades de uma Dianja, também Maria do Bolhão, também Mha África; de uma Empregada Esbaforida, também Josefina do Bolhão, também Clio, deusa da História; de uma Funcionária do Bar, também Professora, também Mãezinha; de um Pedro Jacques de Magalhães, também Compadre Maneli, também Luizinho; de um Adjunto, também Compadre Jaquim, também Ricardinho; de uma Encarregada de Educação Reclamadora, também Beata Fátinha, também Ofélinha; de uma Aluna Certinha, também Miranda, também Storinha; de uma Algarvia, também Vénus; de uma Beata Francisca, também Bélinha Espanca; de um Próspero, também Fernandinho; de uma Professora Sofisticada, também Inglesa, também Sininho; de um Júpiter; de uma Narradora; de uma Professora Deslocada; de um Aluno Rebelde, também Fernando, também Trovador...

São personagens que os meus actores fizeram marcantes, em três peças únicas.

São saudades dos nossos ensaios, dos vossos amuos "Hoje, não canto!", das nossas marchas tão difíceis de coreografar, dos meus arrufos de Encenadora assumidamente estrela. São saudades dos nervos das estreias, dos bastidores, dos camarins, de roupas que se vestem, de roupas que se despem...são saudades das nossas comemorações, feitas rejúbilos à comida, são saudades do nosso público...são saudades daqueles momentos em que as luzes se apagam e os meus Trinta por Uma Linha acendem no meu coração estrelas de emoção.

Obrigada.

O regresso está marcado...até já!