No palco da Liberdade

No dia 25 de Abril de 1974, houve festa lá em casa. Não pelos motivos óbvios, não porque tinha acabado uma ditadura (que eu nem sabia que existia), não para chegar, finalmente, a democracia (que não levou muito tempo a mascarar-se de ditadura democrática e hoje até já perdeu o adjectivo!).
Enfim, lá em casa, sempre se comemorara esse dia e assim se mantém até hoje. Na verdade, falo do aniversário de casamento dos meus pais. Faziam, nesse ano, 10 anos de uma liberdade, feita prisão desejada, de partilha do espaço do outro. Fazem hoje 44 dessa mesma escolha, tomada em consciência liberta de amarras, mas que os prendeu sabe-se lá até quando.
Neste palco da vida, a Liberdade é difícil de entender. Se a minha acaba, quando começa a do outro, então sou livre até onde? Se quando nascemos, todos somos livres pela tal Declaração, porque escolhemos viver agrilhoados?
Depois irritam-me as politiquices associadas a este valor do ser humano. Porque terão, por exemplo, de associar a Liberdade a flores? E as flores a partidos? Porque será que nunca gostei de cravos? Nem rosas? Terei menos direito à Liberdade por isso? Terei menos direito de falar nela? Escrever hoje sobre ela?
Ontem, numa aula de Formação Cívica, onde discutíamos liberdades, um aluno disse: serei livre, quando tiver o meu espaço. E eu perguntei: qual é então a sua noção de espaço? E ele respondeu: um espaço onde seja eu!
Pronto, falemos então de Liberdade. Falemos de espaços de verdade. Falemos do momento livre em que somos nós.
Não gosto de amarras...gosto de espaço...o espaço da minha Liberdade. Sem a imposição dos dias criados pelos homens.
Há quem comemore o dia do Pai, e o dia da Mãe. Eu, no dia que é hoje, comemoro livremente o Dia dos meus Pais.
E também a Liberdade feita poema, pela voz de Torga, só porque me apetece.
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– Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

– Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
– Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

1 comentário:

®efeneto disse...

Liberdade de espaço e no espaço. O espaço da Liberdade.
Vimos encontrar nesta sua "crónica" muita verdade e perguntas que á primeira vista não teem resposta. Ou será que teem e não a sabemos.
Uma maneira diferente mas sensata de abordar o tema.
Resta-me deixar um beijo de amizade com liberdade dentro.
Vamos procurar o nosso espaço pois lá estará a nossa Liberdade.