Ensaios para não dizer



Sempre que se aproxima a altura de mais um encontro ao mais alto nível, prometo a mim própria não abrir a boca. Não expressar opinião. Não dizer nada. Ficar calada como todos os outros. Aceitar de jugo curvado o que me tentarem impingir.

Acontece que não consigo. É mais forte que eu. Durante os primeiros minutos, a ouvir as vozes repetitivas, vou-me contorcendo, vou batendo com o pé ritmadamente no chão, vou olhando pela janela...vou enchendo, enfim.

Depois, não aguento! Elevo a voz que toda a gente conhece e digo o que me vai na alma. Digo o que penso, digo o que defendo, aponto o que para mim não está bem. Bolas, sou adulta e desde pequena que acredito nos meus ideais, nos meus pensamentos, em mim.

Foi isso que se passou hoje, em mais uma reunião, onde supostamente me devia calar. Tentei, juro que tentei. Mas não foi possível. É tanta a falta de certezas, a falta de argumentos, a falta de competência.

Disse. Tornaria a dizer tudo outra vez. Nem mais alto, nem mais baixo. Todos se calam para me ouvir. E isso ainda me irrita mais, muito mais.

Uma reunião, supostamente para não dizer. Desculpem lá, mas se existe o tal Deus, ele deu-me esta voz para que eu a ouça e me orgulhe dela.

2 comentários:

Paola disse...

Ai, minha amiga, como te compreendo... Eu que aprendi a ouvir-te e a escutar-te; eu que aprendi a olhar para as palavras que proferes, descobrindo-lhes tons graves e agudos; eu que sempre vi as tuas frases libertas de amarras, censuras e peias; eu que sempre te ouvi franca e leal...e agora oiço-te, pressinto-te, vejo-te a "ensaiar para não dizer"! Afinal, o poeta tem razão há palavras que "São como um cristal,/Algumas, um punhal,/um incêndio..."... porque há quem não entenda que "são orvalho apenas".

Bjos

Graça disse...

Mas o entendimento do nosso silêncio partilhado, ninguém nos tirará, Paola!